quinta-feira, 26 de junho de 2008

Ufa! Ando para lá de ocupada. Há duas semanas não escrevo nada, e isso é preocupante. Preciso me organizar para manter o ritmo. É que, de vez em quando, a coisa aperta. Até um dente fraturado eu arranjei. Não me perguntem como. Nem imagino. Minha dentista me perguntou que artes eu andei fazendo. Eu disse: "Tantas... " Vá-se saber qual delas resultou neste terrível diagnóstico. Para não deixar passar muito tempo, aí vai um texto que escrevi há uns dois meses a partir de um grito de GOL coletivo, ouvido através da janela em uma quarta-feira dessas de Campeonato Brasileiro.

GOL
Sylvia Regina Marin

Foi no ano passado, durante a final do Campeonato Carioca de Futebol, que tudo aconteceu. Não me perguntem quais eram os times finalistas. Não faço a menor idéia. Minha intimidade com o futebol é a mesma de um estrangeiro que, ao se deparar com um turista brasileiro em suas terras, grita: Pelé! Ronaldo! Kaká!
Sou Fluminense por hereditariedade. Para desconsolo de mamãe, flamenguista de coração, meu pai me convenceu a ser Fluminense, quando eu era bem pequena. Confesso, porém, que, como torcedora, sou um fiasco. Não acompanho os jogos do meu time. Daí, nunca sei se ele ganhou ou perdeu, ou se está em condições de chegar à final de um campeonato. Simplesmente não sofro com isto.
Só não me desligo do esporte porque meu marido é torcedor fanático do Flamengo. Aliás, esse fanatismo que a maioria dos homens tem por futebol é uma coisa que me intriga. Não é normal a agonia que toma conta de Olavo e seus amigos enquanto assistem a uma partida. E a gritaria no momento de um gol? Faz estremecer o prédio inteiro. Virgem Maria!
Pois foi por causa, justamente, de um gol que me tornei personagem de uma história inusitada. Pode-se imaginar uma coisa dessas? Pois é: Semíramis, minha gata persa de estimação, tinha cruzado com o gato de um amigo meu, e estava prestes a ter sua cria, quando a partida final do Campeonato começou. A turma estava toda reunida lá em casa em volta da televisão. Meu papel na cena era cumprido com eficiência: não deixava um copo de cerveja vazio. É óbvio que as pessoas não me davam a menor “bola”, nem podiam imaginar como o estado de Semíramis me inquietava naquele momento.
Não seria minha primeira experiência como parteira. A diferença é que, da outra vez que Semíramis teve cria, houve toda uma preparação do ambiente, desde a música de fundo – um noturno de Chopin, com Nelson Freire ao piano – ao espaço em si – silencioso e acolhedor.
Este segundo parto prometia... A algazarra na sala era enorme, o ambiente estava tenso, e Semíramis não conseguia parar quieta. Tive a brilhante idéia de fazer-lhe uma massagem ayurvédica, com óleos aromáticos – coisas que a gente inventa em momentos aflitivos. Se o método dava certo com seres humanos, porque não daria com animais? Bem, não deu. A gata ficou toda melada, escorregadia. A cada tentativa de caminhar, ela deslizava alguns centímetros. E eu... atrás.
Quando o primeiro gol foi feito, os gritos que ecoaram em minha sala e pela vizinhança assustaram de tal maneira a pobre fêmea, que ela deu à luz na mesma hora. Era um macho, somente um, nascido no olho do furacão, atordoado, com os olhos assustados de quem quer saber “que lugar horrível é esse onde vim parar”. Pobrezinho... Tremia de puro terror. Semíramis o lambeu todo, e o aconchegou – infalível instinto maternal!
Todos correram para ver o recém-nascido, que se escondia no corpo felpudo e macio da mãe. A cena era realmente linda. Futebol, passes, dribles e xingamentos foram esquecidos por alguns minutos. Aos poucos, o pessoal retomou seu lugar em frente à televisão e só mesmo as crianças ainda ficaram mais um tempo entretidas com a novidade. Queriam arranjar um nome para o novo membro da família. Os palpites variavam desde Batman, Hot Wheels e Bob Esponja a Veludo, Mozart e Aristóteles. Difícil decidir!
O fato é que o jogo acabou, o dia virou noite e o gato continuava sem nome. Por incrível que pareça, nenhum combinava com o focinho assustado daquele “jovem”. Durante a semana, várias outras tentativas foram feitas, mas as crianças já estavam ficando desanimadas. O bichinho vivia escondido, agarrado em Semíramis. Se ela saía de perto dele, seu miado era um lamento doloroso.
No domingo seguinte, durante uma nova partida de futebol, é que uma idéia interessante tomou forma na mente de Olavo. Como não era jogo do Flamengo, ele estava mais relaxado. Ficou com um olho na televisão e outro nos bichanos. Pois aconteceu o que ele previa. Quando fizeram o primeiro gol, o gatinho deu um pulo e correu na direção do aparelho. Todos riram. Estava resolvido o assunto. Dali em diante, bastava gritar “Gol” que o animal aparecia, pronto para atender a seus donos.
Hoje em dia, Gol é a mascote da casa. Já não vive mais com medo. Percebeu que seu nome traz felicidade. Seja qual for o time, há sempre alguém comemorando o momento do gol; há sempre alguém chamando por ele...

segunda-feira, 9 de junho de 2008

Um dos meus grupos de literatura é formado de pessoas incrivelmente versáteis e criativas. Nossos encontros são pura diversão. Ao final deles, sempre escolhemos vários temas para serem desenvolvidos até o encontro seguinte. Não há necessidade de se escrever sobre todos eles. As pessoas geralmente escolhem somente um e pronto. Na última reunião os temas sugeridos foram: "Viagens" (por causa da viagem à Itália que a Myriam faria este mês), "Ficção Científica" (por causa da peça que a Hada Luz, atriz, está ensaiando - sobre ficção científica) e"Banheiro" (a partir de um comentário que fizemos sobre o filme "O Banheiro do Papa"). Além destes três temas, a Anna sugeriu também que desenvolvêssemos um texto sobre a lei de Darwin que diz: "Quem sobrevive não é o mais forte, nem o mais inteligente, é o mais adaptável."
Catarina, "porralouquíssima" coleguinha nossa, alagoana arretada, resolveu misturar tudo isso e fez um texto surreal, hilário, postado em seu blog www.gavetaverde.blogspot.com. Pegando carona na idéia, resolvi também fazer uma mistura de todos os temas. Foi isso aí que saiu:

A INCRÍVEL VIAGEM DE MÍRIAM
(Ficção científica)

Sylvia Regina Marin

Miriam não sabe. Não tem a menor noção. No entanto, todos à sua volta sabem – seus alunos, seus parentes, seus amigos, os colegas da oficina literária... O porteiro do prédio onde ela mora também sabe (mas isto não chega a ser uma novidade; os porteiros sempre sabem de tudo). Até o jornaleiro da esquina, o dono do bar, os freqüentadores do restaurante em frente e o sapateiro sabem.
O que ninguém tem é coragem de contar para ela. O tempo está se esgotando. É preciso armar uma estratégia com urgência. Pois foi Catarina, logo a mais perturbada das amigas de Miriam, quem teve a brilhante idéia.
- Vamos fazer plantão na porta do banheiro social do apartamento de nossa amiga!
Que “sacada” genial! Como não tinham pensado nisso antes? Difícil vai ser explicar à Miriam a estranha movimentação em sua casa, mas não há saída. Pior seria perdê-la, destinada que está a retornar a seu planeta de origem, na distante galáxia de Markarian.
Pois é... Se os que me lêem por acaso não sabem, Miriam foi trazida à Terra, em um invólucro humano, para aprender como vivem os terráqueos e tentar se adaptar ao nosso modus vivendi. Entre os voluntários que se apresentaram para a terrível experiência, ela foi escolhida por ser a mais forte e mais inteligente. Antes da longa viagem, porém, seus superiores tiveram o cuidado de apagar as lembranças de Miriam e de acrescentar, em sua fórmula, pitadas de sentimentos – amor, compaixão, tolerância, solidariedade – coisas importantes para o convívio com outros seres humanos.
Estipularam um prazo, findo o qual Miriam fará a viagem de volta. O completo êxito da empreitada a tornará a criatura mais poderosa de Markarian. No entanto, se, ao contrário do esperado, ela fracassar, sua arqui-inimiga Lea tomará o poder.
Os amigos sofrem ao pensar no destino da amada Miriam. Combinam entre si que, enquanto viverem, não permitirão que ela entre naquele banheiro. Sua derrota é evidente. Bem que ela tentou, mas como se adaptar a um mundo tão cruel onde existem tantas guerras, tanto ódio, intolerância e desamor? Talvez os markarianos tenham exagerado na dosagem de bons sentimentos, mas agora é tarde. As horas voam.
O tic-tac do relógio de parede, dentro do banheiro, deixa os nervos de quem está de plantão em frangalhos. É ali que está localizado o aparelho que emana os sinais de comando da nave-mãe. O vaso sanitário é uma caldeira em ebulição. Pode explodir ao menor contato com a pele e sugar a pessoa, através dos esgotos, até o ponto escolhido com antecedência para o resgate. A balança não está ali por acaso. Ao pisar nela, toda uma varredura pode ser feita no corpo de forma a limpar qualquer resquício de bondade. Até mesmo o inocente quadro escrito em italiano tem como objetivo disparar raios imobilizadores, se necessário.
É por isto que todos estão atentos. Miriam não entende porque há sempre alguém com dor de barriga, quando ela tenta entrar no banheiro. E, por mais que adore os amigos, que “diabos” aconteceu que essa turma não sai mais de sua casa?
Miriam não sabe; e, se depender de nós, ela nunca saberá.

Junho de 2008

segunda-feira, 2 de junho de 2008

Meus queridos leitores,
Ando um pouco afastada de minhas "literatices" porque resolvi iniciar um trabalho novo, no mercado de distribuição interativa. Como as horas livres já são poucas, agora ficou um pouquinho pior. Mas venham me visitar, de vez em quando. Quando vocês menos esperarem, aparecerei. Meu primo Carlos Affonso, lá de Manaus, ficou até preocupado com este sumiço temporário. Que fofo! Neste meio tempo, além das atividades novas, ainda tive que acudir o maridão (problemas de saúde - está melhor) e a netinha, que levou três pontos no queixo. Criança levada é assim mesmo.

Aí vai meu texto mais recente:

IMPROVÁVEL DESTINO

Sylvia Regina Marin

Sueli está excitadíssima. É hoje a reunião dos antigos colegas da faculdade. Conseguiu localizar quase todos. Bendita Internet! Sabe que está bem conservada para seus cinqüenta anos, mas o que será que eles vão achar? Engordou uns quilinhos, é verdade. Mas quem continua com o mesmo peso dos vinte anos? Ninguém, lógico! Quer dizer, talvez a magrela da Edite, que tinha pai, mãe, avô, avó, todos esquálidos na família – genética, argh! Rugas? Só mesmo quem fez plástica ou aplicou botox pode ostentar um rosto completamente esticado nessa idade. Aliás, isto é golpe baixo contra as pessoas que, como ela, não têm meios de acessar um Pitanguy.
Ouviu dizer que Marcelo desistiu da advocacia para se dedicar ao cultivo de produtos orgânicos. É bem a cara dele! Pedro está famoso. Seu nome aparece sempre nos jornais: Procurador da República! Mora em Brasília, mas prometeu vir. Será que ainda é aquele “tesão” da juventude?
Soube que Irani morreu ao dar a luz à sua segunda filha. Que triste! Glória mora em um casarão na Barra da Tijuca. Entrou para a política e se deu bem.
Sueli não teve mais notícias do resto da turma nesses últimos vinte e cinco anos. Imagina quantas histórias serão contadas, quantas experiências cada um terá vivido... Vai registrar tudo, tirar muitas fotografias e postar em seu blog. Tem de aproveitar a ocasião para divulgar o blog em que ela descreve, sob a forma de crônica, as observações do seu tumultuado dia-a-dia.
O pretinho básico já foi passado a ferro e está em cima da cama. Seus filhos dizem que ela fica muito sexy com esse vestido. Unhas feitas, sapato e bolsa separados, só faltam a maquiagem e os acessórios. Com o cabelo não precisa se preocupar. Fez um corte moderno há uma semana. Basta passar um gel e pronto. Uma gata!
Está na hora. Despede-se da família e sai, feliz, rumo ao restaurante em Ipanema. Dirige o carro sem pressa. Não há motivo para correr. Afinal, tomou todas as precauções para não se atrasar. Mas o coração parece que desanda – sabe bateria de escola de samba? Que coisa esquisita: porque será que o excitamento se transformou em nervosismo? Respira fundo e tenta afastar o mau pressentimento que a assalta.
Chega finalmente ao local do encontro. Metade da turma já está lá, rindo, se abraçando, falando todos ao mesmo tempo. Uns são reconhecidos de imediato, outros precisam dizer quem são. Também, pudera - a Renata, por exemplo, que tinha cabelos compridos, encaracolados e castanhos, está agora de cabelo curto, liso e louro – e, ainda por cima, com lentes azuis e vinte quilos mais gorda. Assim fica difícil! Cada um que chega é recebido com aplausos e gritos. Todos se levantam, mais abraços, mais beijos e perguntas sem fim. Alegria pura!
Sueli conta baixinho e vê que ainda falta uma pessoa.
- Gente, quem é que está faltando?
- Ora, quem poderia ser – responde Horácio. Quem foi sempre a última em tudo nesta turma? A pior aluna, a mais desbocada, a mais implicante, a que nos fez passar as maiores vergonhas, com aquela mania de levar para casa os saleiros e cinzeiros dos bares que freqüentávamos?
- Mônica! Gritam em uníssono.
Neste exato momento, a porta do restaurante se abre e uma freira entra. Ninguém lhe dá atenção, até que ela se aproxima da mesa e dispara:
- Puta que pariu! Vocês não estão me vendo?
Espanto geral!
- Mônica?
- Tá todo mundo com cara de babaca. Nunca viram uma freira?
- Mônica !!!!!!!!!!!
A cena não leva mais de dois minutos. Entre a alegria e o assombro, dois policiais armados invadem o local e atiram em Mônica. Levam-na toda ensangüentada, mas ainda com vida, e os ex-colegas ficam atônitos, sem entender o que aconteceu.
Sueli volta para casa desconsolada.
No dia seguinte, ao abrir o jornal, vê uma foto de Mônica e a manchete: “A TRAFICANTE MAIS PODEROSA DO PAÍS É PRESA EM LOCAL PÚBLICO DISFARÇADA DE FREIRA”.
Sueli leva um choque. Tornar-se freira teria sido um destino totalmente improvável para Mônica. Mas traficante de drogas?...

Junho de 2008