quarta-feira, 8 de outubro de 2008

Minha amiga Leila, que acompanha, de Petrópolis, as "literatices" que apronto aqui do Rio, me deu uma sugestão há uns dias atrás. Como estamos em plena comemoração pelos 100 anos da morte de Machado de Assis, e "pipocam" cursos, seminários e palestras pela cidade sobre este grande romancista, ela me "soprou" lá do alto da serra:
- Sylvia, porque você não sugere ao seu grupo literário o tema "Amor e ciúme", tão recorrente na obra de Machado?
Pois fiz exatamente isto. O grupo, não só aceitou, como acrescentou uma palavra ao tema, que passou a ser: "Amor, ciúme e traição".
Aí vai o texto que escrevi:

EU NÃO SOU CAPITU!

Sylvia Regina Marin

Marta se arruma com esmero. Põe seu melhor vestido – um branco de bolinhas vermelhas que o marido lhe deu de presente faz muito tempo. Está fora de moda, ela sabe, mas quem se importa? Batom nos lábios, uma leve sombra azul nos olhos, sandálias de salto alto – e pronto! Não falta mais nada.
Alvinho está vestido há horas. Nervoso, chama pela mãe:
- Vamos logo, mainha. Tenho que chegar cedo ao teatro.
Marta nunca foi ao teatro. Está emocionada. Quando ela poderia imaginar que seu menino seria o ator principal de uma peça? Tudo invenção de D. Carmem, a nova professora do grupo escolar, que cismou de fazer uma comemoração pelos cem anos da morte de Machado de Assis. Diz ela que esse tal Machado foi um grande escritor. Ah! E Marta lá tem tempo para ler alguma coisa? O máximo que faz é passar os olhos pelo boletim de Alvinho.
Agora, sai toda orgulhosa de casa. Os vizinhos chegam à janela para bisbilhotar. Não estão acostumados a vê-la assim, nesses “trinques”. Com o nariz empinado, ela não economiza pose. De mãos dadas com o filho, desce o morro – ainda tem um bom chão para andar até a escola. O teatro foi improvisado em um velho auditório, lavado e pintado pelos próprios alunos.
Alvinho faz o maior mistério. Não quis, de jeito nenhum, contar o enredo da peça para a mãe. Marta só sabe que o nome de seu personagem é Bentinho. Nada mais ele deixou escapar. Juntos, atravessam a avenida principal – cúmplices no afeto, felizes pela expectativa do que está para acontecer.
Chegam, finalmente, ao seu destino. O palco já está iluminado e as pessoas se acomodam em suas poltronas. Marta consegue um lugar na primeira fila. Aguarda ansiosa. Sente a vibração que agita os bastidores e torce pelo filho, que tantas alegrias lhe dá. Mais alguns instantes, e ouve-se o som de uma campainha, que toca três vezes. Silêncio agora. A cortina se abre.
Marta acompanha tudo inquieta, palavra por palavra, cena após cena, sem pestanejar. O coração descompassa.
- Como é que Machado ficou sabendo dessa história? – pergunta-se atônita.
Um filme passa por sua cabeça. Relembra a vinda da família para o Rio de Janeiro, onde ninguém os conhecia; a dúvida que corroeu seu marido ao ver Alvinho na maternidade, tão branco que nem parecia seu filho; o sofrimento que viu, durante anos, nos olhos de seu parceiro. Agora, que estava tudo tão bem, as mentes aquietadas, tinha que aparecer esse Machado para reacender a fogueira que já tinha se extinguido em seu peito?
A peça termina. Marta chora copiosamente. Do palco, Alvinho ouve os soluços da mãe e estufa o peito:
- Puxa, mainha gostou mesmo!
Marta não lembra se aplaudiu. Só recorda de ter ficado muito tempo ali sentada, ouvindo o burburinho em volta. De repente, Alvinho estava de pé à sua frente, sorrindo.
- Como você cresceu, meu menino! – não tinha notado como ele estava alto.
Abraçaram-se.
Voltaram para casa calados – cada um com suas próprias emoções a serem elaboradas.
Na subida do morro, encontraram João, o dono da venda, que quis fazer graça, coitado, e disse para Marta:
- Comadre, você está muito bonita hoje. Onde foi a festa? Sente aqui um pouquinho antes de ir para casa. Se chegar assim, com esses olhinhos de ressaca, o compadre vai desconfiar...
Aquilo foi demais para Marta. E, para espanto de João e de Alvinho, ela explodiu em lágrimas novamente e gritou:
- Eu não sou Capitu! Eu não sou Capitu!

Outubro de 2008

sexta-feira, 26 de setembro de 2008

A PRIMEIRA VEZ DE NATALIE


Sylvia Regina Marin

O sol já ia se pôr. Manoel chegaria em poucos instantes.
- Parece que foi ontem mesmo que meu bebê nasceu... – pensava Aline, nervosa, a andar pela sala de um lado para o outro. Não conseguia imaginar que sua pequena Natalie, ainda tão despreparada para o mundo, estaria, dali a alguns instantes... não, não, era demais para sua cabeça.
Duvidava de que Manoel fosse a pessoa certa para acompanhá-la nessa aventura. Mas, que bobagem, é claro que ela podia confiar nele - era experiente e maduro. A filha estaria bem protegida.
Natalie sorria, vendo a ansiedade da mãe. Para uma mulher moderna, antenada, como Aline, era um pouco over essa atitude grotesca, quase histérica, eu diria “careta” que tomava conta de sua pessoa. Ela tinha noção do quanto estava sendo ridícula, mas não conseguia se controlar.
Pegou um agasalho.
- Pode esfriar na volta!
Apertou Natalie contra o peito e, movida pelo extremo amor que sentia, balbuciou as mesmas recomendações que havia feito durante o dia todo. Não era demais repetir.
Manoel chegou. Natalie o olhou com ternura e abriu um sorriso encantador, que quase o fez babar de emoção. Troca cúmplice de olhares, um beijo tímido e casto – tudo isso, em vez de melhorar o estado de espírito de Aline, só fez aumentar sua neurose. Suava em bicas. E não era menopausa. Ainda era muito jovem para essas coisas. Os nervos estavam à flor da pele.
Mas a hora tinha chegado, a decisão estava tomada e não havia retorno. Dirigiram-se para a porta do apartamento. Aline ainda ia parar para ajeitar a roupa da filha, quando Manoel declarou categórico:
- Vamos!
Deste minuto em diante, Aline passou a não ser mais dona da situação. Perdeu completamente o controle e se deixou levar pelos desígnios da sorte. Afinal, não dizem que criamos os filhos para o mundo?
Saíram a pé por Copacabana. E foi assim que aconteceu. Com Manoel de um lado e Aline do outro, Natalie chegou à sua primeira reunião literária na casa de Myriam. Todo o nervosismo de Aline tinha sido pura perda de tempo. Do alto de seus dois meses de vida, Natalie se comportou muito bem, mamou bastante, foi “paparicada” por todos e ainda recebeu o título de princesa.
Nós amamos a presença de Natalie. E tivemos o cuidado, cada um de nós, de plantar em seu coração a sementinha do amor pela poesia e pelas belas palavras.
- Que elas floresçam, Natalie! Queira sua mãe ou não, você já foi contaminada!

segunda-feira, 22 de setembro de 2008

Bala Perdida

Sylvia Regina Marin

Segunda-feira de manhã. O trem ia lotado. Já era a terceira condução de Sueli naquele dia, e ainda faltava saltar na Central, pegar o metrô até Botafogo e depois o ônibus para o Humaitá. Fazia esse mesmo trajeto toda segunda-feira. Durante a semana, dormia na casa da patroa. Era mais cômodo. Rezou tanto para seu anjo-da-guarda que conseguiu sentar. Ficou espremida entre uma mulher obesa e um homem de pernas abertas, mas tudo bem.
- Obrigada, meu anjinho – rezou ela.
O balanço do trem a fez pegar no sono. De início, os olhos abriam e fechavam – ela fazia força para não dormir. Tinha medo que lhe roubassem a bolsa. Mas aquela sensação gostosa foi mais forte que sua vontade, e Sueli acabou relaxando. Sonhou que ainda era criança, que ainda vivia naquele curto período de inocência entre os primeiros passos e as primeiras frustrações. Sua mãe a chamava:
- Eulina! Eulina!
Ah sim, esqueci de dizer que Sueli era o nome com o qual Eulina se apresentava às pessoas. Ela detestava seu nome. Aliás, ela odiava tudo que dizia respeito a si própria – sua origem humilde, a pele manchada pelo vitiligo, o cabelo seco e quebradiço, o padrasto que a maltratava. Dizia que tinha vindo ao mundo para sofrer. Pobre Sueli – tão carente e infeliz!
Mas o sonho era bom. Ela corria às gargalhadas enquanto a mãe tentava pegá-la. O jardim estava florido, o parque cheio de meninos e meninas que tinham acabado de sair da escola – e Sueli, alegre, flutuava e se escondia atrás de cada arbusto do caminho. Até que jogaram uma pedra, com força, em sua perna esquerda. Que dor danada! Gritos. Empurrões. Acordou assustada.
- Não se tem mais sossego nesta terra – bradiu o homem a seu lado.
Foi preciso que transcorressem uns minutos para que Sueli entendesse o que estava acontecendo. O buraco na janela do trem e a bala encravada no chão, bem perto dos seus pés, davam uma idéia do que tinha ocorrido.
- Moça, a senhora nasceu de novo – falou a mulher obesa.
- Eu estava dormindo – respondeu Sueli. Imagine só, levei uma pedrada no sonho. Podia jurar que era de verdade. Está até doendo... Foi bem aqui.
Levantou a saia com discrição para massagear a pele dolorida e lá estava ela, a marca – não da pedra – mas da bala que a tinha atingido. Começou a chorar. O pedaço de músculo duro e avermelhado era mais uma prova daquilo que ela já sabia – era a última das mulheres.
Exagero, sem dúvida, mas foi, assim, fungando, que ela chegou ao trabalho. A patroa estava meio nervosa:
- Atrasada de novo, Sueli... O que houve? Mais uma tragédia na vizinhança?
- Foi comigo mesma, patroa. Veja com seus próprios olhos.
- Bem, você sobreviveu, não é? Deu queixa na polícia?
- Pra que, madame? O que a senhora acha que os policiais vão fazer? É bem capaz que eles me expulsem da delegacia. Pobre é que nem barata. Se bobear, eles pisam na gente. Depois, podem pedir meus documentos, e aí vai todo mundo saber meu nome.
- Ora, Sueli. Que bobagem! Ninguém vai ligar para o seu nome e, mesmo que não façam nada, seu caso vai ser registrado e será parte de uma estatística. Isso é muito importante!
A moça ficou animada. Fosse lá o que fosse essa tal de estatística, quem sabe ela ia ficar famosa? A patroa não disse que era importante? Ela não podia perder a oportunidade. Não é todo dia que aparece uma coisa assim na vidinha sem graça de pessoas como ela.
À tarde, com os afazeres domésticos prontos, arrumou-se o melhor que pôde e foi até a delegacia mais próxima. Perdeu a noção de quanto tempo ficou ali sentada, à espera de ser atendida. Quando a patroa chegou em casa, do trabalho, Sueli ainda não tinha voltado.
As horas passavam e Sueli... nada. A patroa se inquietou. Mas que demora! Já estava arrependida de ter incentivado a empregada a tomar aquela atitude. Agora só restava esperar. Ligou a televisão para se distrair. Não quis acreditar na chamada para o Jornal das Dez:
“Jovem de 28 anos perde a vida, vítima de bala perdida, em um confronto de gangues do Morro Dona Marta. Pede-se que algum parente entre em contato com a delegacia do bairro. O nome que consta da carteira de identidade é Eulina de Jesus.”
Pobre Sueli! Virar estatística era mesmo seu destino...

Setembro de 2008

terça-feira, 16 de setembro de 2008

BURRO! BURRO!

Sylvia Regina Marin

Eram nove horas da noite quando cheguei em casa naquela quarta-feira. Estava exausta. Parece que todos os problemas do mundo tinham resolvido cair na minha cabeça ao mesmo tempo, vindos de todos os lados. O escritório era uma ebulição só. É claro que me estressei com meu chefe e quase o demiti. Epa! Acho que não foi bem assim. Ah! Não sei mais de nada. Lembro de ter descontado minha raiva na secretária – isso eu fiz! (paciência – no dia seguinte, pedi desculpas). O fato é que, enfim, consegui abrir a porta e entrar em meu apartamento.
Nunca antes tinha ficado tão feliz com uma viagem a negócios de Alfredo. (Há horas em que tudo que a gente não quer é um marido para dar atenção; se bem que uma massagenzinha nas costas teria sido providencial...) Tomei um banho morno, gostoso, e aproveitei para acariciar minha pele, merecedora que estava de um toque amoroso. Enrolei-me em um felpudo roupão cor-de-rosa e, em segundos, me senti a própria Cinderela – depois do matrimônio, é lógico – em seu palácio de cristal. É, já deu para notar que eu não estava “funcionando” direito, não é? Positivamente, o palácio da Cinderela não era de cristal: isto tinha a ver com o sapatinho.
Sapatinho... príncipe... fada-madrinha... Caí no sono. Desmaiei. Perdi a noção das coisas. As luzes ficaram acesas, a televisão ligada e, graças a Deus, o gás em off. De repente, o susto... Acordei com uma sensação de embriaguez, como se meu corpo astral estivesse bem distante do corpo físico naquele momento, e o retorno ao seu lugar de origem ocasionasse um choque assombroso.
Um clamor parecia sair das entranhas da terra. Olhei em volta. Havia uma energia densa no ar e só então me dei conta de que várias vozes ao meu redor gritavam: “Burro! Burro!” Meio atônita, percebi que os gritos vinham da rua e, certamente, não eram dirigidos à minha pessoa. Voltei a atenção para o aparelho de TV. Não acreditei no que vi: então, todo aquele barulho tinha como causa o jogo de futebol do Brasil contra a Bolívia? Era o Dunga que estava sendo xingado? Também o que se pode esperar de uma pessoa cujo apelido é Dunga? Não, eu não disse isso. Esqueçam. Deve haver uma razão justa para o apelido. Minha mãe me ensinou a ter tolerância e compaixão, e nunca fazer julgamentos. Mas Dunga...
- Burro! Burro!
O povo continuou a destilar seu ódio por um bom tempo. Aos poucos, porém, os ânimos se acalmaram, os sons foram ficando mais fracos e, durante a madrugada, o silêncio era total. Os cachorros pararam de latir. Tive a impressão de que os vizinhos pegaram no sono “numa boa”. Todos, menos eu. Bem que tentei trazer de volta o sonho de conto de fadas, mas não houve jeito, nem Lexotan, respiração tântrica, ou dança do elefantinho que me fizessem retomar o repouso abençoado. A alternativa foi pensar na vida.
- Burro? – indaguei a mim mesma. O Dunga? - tive um acesso de riso. Como somos tolos! O homem está bem de vida, tem uma casa confortável, trabalha no que gosta, mantém o corpo são e a mente idem, dorme como um anjinho (suponho), viaja um bocado às custas da gente, e ele é que é o burro?
Não quero ofender ninguém, mas sabem o que eu acho?
- Burros... somos nós!

Setembro de 2008

segunda-feira, 1 de setembro de 2008

A ATA E A BORBOLETA

Sylvia Regina Marin

Aparentemente, seria uma quarta-feira como outra qualquer – meio da semana, pessoas indo e vindo de seu cotidiano de horas marcadas, de tarefas por cumprir, de sonhos a realizar.
Da janela de meu apartamento, eu podia observar o movimento na rua – carros, gente, micos que pulavam de galho em galho na árvore mais alta da calçada e, suprema alegria! uma borboleta azul, que abria e fechava as asas para mim. É estranho, mas era exatamente esta a impressão que eu tinha: a borboleta queria se comunicar comigo.
Privada, por tempo determinado, do meu direito de ir e vir para onde bem entendesse, por conta de um acidente doméstico, eu dava “tratos à bola”; e posso dizer, com segurança, que, naquela quarta-feira, o que não pude ver com os olhos da face, nem ouvir, com os ouvidos que herdei por merecimento, vi e ouvi através da imaginação, com a abençoada ajuda da pequena borboleta azul.
Pois não tive outra saída. Minha reunião favorita estava para começar, a vários quilômetros de distância do local onde me encontrava; e eu ali, com o pé enfaixado, imobilizada pela providência divina.
- Pelo meu poder mental – exclamei – determino que você, borboleta azul, seja minha representante. Vá, preste bastante atenção e volte para me contar!
De início, confesso que tive pena da pobrezinha que, com tão pouco tempo para aproveitar a vida, precisaria se desincumbir da pesada tarefa de voar até Copacabana e depois fazer o trajeto de volta, em meio ao tráfego de pirilampos, mariposas, marimbondos e nem posso imaginar mais o que. Sim, seria estressante! Mas, se ela aceitou ...
Aguardei ansiosa. Será que os participantes perceberiam que eu estava presente? Sentiriam minha energia no ar? Veriam a borboleta batendo suas asas para lá e para cá, no afã de captar o que estava sendo dito? Tudo isso passava pela minha cabeça, enquanto aguardava a volta de minha pequena amiga.
O tempo de espera foi longo e quando, finalmente, a borboleta azul chegou, quase morri de remorso. Ela estava um “caco”. Não vi a hora em que ela nasceu; portanto, não sabia quanto tempo de vida ainda lhe restava. Será que eu tinha abusado do direito de ser intelectualmente mais poderosa? Bem, não me restava mais nada a não ser lamentar - o que estava feito, estava feito.
Esperei algum tempo, até que sua respiração voltasse ao normal, e fomos aos fatos. É natural que nossa comunicação tenha se dado de forma telepática, mas nem por isso foi menos eloqüente.
- Imagine você – ela me disse – que todos os convidados chegaram juntos. Quando a dona da casa abriu a porta, às dezoito horas em ponto, eles estavam no hall, de braços abertos. Desculpe se não reproduzo literalmente o que ouvi. É que falavam ao mesmo tempo: “Mamma mia”, “nonna My”, “carpaccio”, sei lá, uma língua esquisita. Havia um único macho para várias fêmeas e, obviamente, um clima de disputa se fazia sentir. Elas borboleteavam em volta dele, de maneira que precisei desviar minha rota em diversas ocasiões. Não gostei de competir com as humanas. Não foi justo. Afinal, “borboletear” é uma característica da minha personalidade. Atordoada, cheguei a perder algumas palavras. Perdoe-me. Entretanto, estou segura de ter captado a essência do que ali se passou. Mônica Bellucci, por exemplo, fez uma performance extraordinária a partir de um texto de sua autoria – uma verdadeira diva. Emanuelante Alighieri declamou vários poemas, em que abordava temas profundos como o “Inferno” e o “Espelho” – adorei! Lydianna Mangano surpreendeu a todos com a leitura dramatizada de uma peça teatral, na qual encarnava todos os personagens – atuação fulminante! Mydonna, a anfitriã, absolutamente encantada com o talento de seus convivas, curvou-se a seus pés. Para homenageá-los, entoou uma bela canção de seu repertório: Like a Virgin! Calorosas palmas ainda se ouviam no momento em que decidi regressar. Já quase chegava à esquina, quando, ao longe, ouvi um trecho de Madame Butterfly. Teria sido impressão minha ou o grupo estava fazendo uma sutil homenagem a este ser alado que lhe fala?
- Ah, borboleta azul! Delirante ou não, sua descrição dos acontecimentos fez muito bem ao meu espírito. Ouso supor que jamais haverá outra quarta-feira igual a esta!

(Ata de uma reunião da OLDI*, realizada em 20 de agosto de 2008, à qual não pude comparecer)

Agosto, 2008


* OLDI é a sigla para Oficina Literária Democrática e Independente, nome dado aos encontros quinzenais de um grupo de amigos que escreve, fala e gargalha muito. As reuniões são realizadas em Copacabana, na casa de Myriam (napolitana de nascimento, carioca de coração). A esta reunião específica só puderam comparecer três participantes: Mônica, Manoel e Lydia, além da anfitriã, naturalmente.

segunda-feira, 18 de agosto de 2008

PINGO DE DOCE DE LEITE

Sylvia Regina Marin

Hoje estou triste. Sei que vai passar, mas, enquanto espero, continuo triste.
Pombas! O dia está lindo, ouço os pássaros que cantam na árvore defronte à minha janela, a temperatura está agradável, estou com a saúde perfeita... Meus olhos vêem, os ouvidos escutam e os odores são captados com exatidão por minhas narinas. Ah! sim, almocei muito bem e acabei de saborear uma deliciosa xícara de café – de onde se conclui que meu paladar consegue captar os diferentes sabores que lhe são apresentados. O coração bate forte. As Olimpíadas me emocionam – como sofri quando o Diego caiu de bunda! Como Ricardo e Emanuel me fazem vibrar! E o Cielo? – nosso novo herói!
Pois é, mas está faltando uma coisa. Sabe aquele toque que faz a gente se arrepiar todinha? - que deixa o coração a disparar e a boca ficar seca? Aquele abraço apertado que faz o corpo aquecer e a gente imaginar que vai explodir? Não precisa ser Brad Pitt ou George Clooney, mas um homem forte, com uma boa pegada, era tudo que eu precisava agora. Não uma pessoa qualquer, um encontro fugaz, um amante de ocasião – mas um bom exemplar de macho, raro hoje em dia, com um invólucro de doçura, de palavra meiga, que topasse explorar comigo os caminhos do corpo e do espírito. E que essa aventura não tivesse tempo para terminar, nem local, nem destino certo. Corpos etéreos sintonizados – em um universo paralelo, talvez. Mas com a pegada firme, disso não abro mão.
Que tal? Alguém se apresenta? Organizemos a fila. Não gosto de balbúrdia. Que venham somente aqueles que se encaixam no perfil traçado. Serão poucos, com certeza. Sei que terei de ser flexível, aceitando um ajuste aqui, outro ali. Não faz mal. A vida me ensinou que adaptações são sempre necessárias. Uma condição apenas eu imponho: os lábios devem ter o sabor de um pingo de doce de leite.
É só disso que eu preciso hoje.

Agosto de 2008

terça-feira, 12 de agosto de 2008

Queridos Amigos,
Sinto ter deixado meus "inúmeros" fãs na mão. Andei afastada das letras, o que me deixou muito triste. Minha vida deu uma reviravolta, o que, às vezes, é bom para driblar a monotonia. No meu caso, já que nunca tive uma vida monótona, serviu para provar que o caos existe. Não dá para contar tudo que passei nos últimos tempos. Daria um livro. Enfim, sobrevivi e ainda estou lutando. E hoje, véspera de uma reunião literária a qual não posso faltar, fiz um pequeno texto com um certo medo de ter perdido a forma. A Bia entrou e saiu diversas vezes do meu escritório para mostrar os brinquedos que ela estava separando para levar para a casa de uma amiguinha que comemora, amanhã, o aniversário de uma boneca. No meio dessa confusão, foi isso que saiu.
Beijos para todos.

CHEIRO NO AR, MACONHA NO BAR

Sylvia Regina Marin

Francisca era uma mulher altiva. Tinha estilo, como comentavam os vizinhos. Não se sabe como veio parar naquela espelunca tão no fim do mundo. As más línguas diziam que ela foi rica quando jovem. Era poderosa, dona de mansão com piscina, quadra de tênis e sabe-se lá o que mais. Parece que o marido era viciado em drogas e “torrou” a fortuna da família para sustentar o vício. História triste.
O fato é que ela apareceu naquele cantão longínquo, em uma manhã de inverno, e se instalou em um dos cômodos da casa comunitária que abrigava todo tipo de gente. O porte de Francisca chamava atenção. Ela tentava manter a dignidade apesar da sujeira e das precárias condições que a cercavam. E o povo, é claro, fazia mesuras quando ela passava. Era conhecida no pedaço como Condessa Chica.
Do outro lado da rua, bem em frente à janela do quarto de Francisca, ficava o bar. Por mais pobre que seja o bairro, há sempre um bar que reúne quem está alegre a quem está triste. A bebida serve para ambos os casos. Era nesse local que os adolescentes se juntavam para a roda de fumo. Toda noite.
Francisca passava a madrugada tossindo. Não suportava aquele cheiro, que a deixava enjoada e com a respiração ofegante – alergia antiga, mal curada. Um dia ela decidiu ir à polícia para dar queixa dos rapazes. Os policiais riram dela:
- Ora, madame, a senhora pensa que está aonde? Tem sorte que os meninos “pegam leve”. Podia ser pior, sabia?
Ela sabia. Mas não desistiu. Decidiu ir ao bar conversar com os garotos. Até que eles eram simpáticos, mais do que poderia supor. Não eram os marginais arrogantes que ela imaginava. E não é que Francisca começou a gostar daquela turma? Eles não riam dela, de sua maneira de ser. Tratavam-na de igual para igual, com respeito. Aos poucos, ela se afeiçoou a eles. Não demorou muito e um dia Manduca, o líder do grupo, lhe fez a proposta:
- Tia, experimenta unzinho.
Francisca não resistiu ao jeito sedutor de Manduca. Experimentou. Tossiu um pouco, mas foi em frente. E, desse jeito, ela passou a fazer parte da turma da fumaça. A alergia? Vejam vocês, nem lembra mais que um dia existiu. Encontrou seu lugar no pedaço de mundo que a ela estava destinado.
Hoje, quando sente o cheiro característico no ar, já sabe. Está na hora.

Agosto de 2008

quinta-feira, 26 de junho de 2008

Ufa! Ando para lá de ocupada. Há duas semanas não escrevo nada, e isso é preocupante. Preciso me organizar para manter o ritmo. É que, de vez em quando, a coisa aperta. Até um dente fraturado eu arranjei. Não me perguntem como. Nem imagino. Minha dentista me perguntou que artes eu andei fazendo. Eu disse: "Tantas... " Vá-se saber qual delas resultou neste terrível diagnóstico. Para não deixar passar muito tempo, aí vai um texto que escrevi há uns dois meses a partir de um grito de GOL coletivo, ouvido através da janela em uma quarta-feira dessas de Campeonato Brasileiro.

GOL
Sylvia Regina Marin

Foi no ano passado, durante a final do Campeonato Carioca de Futebol, que tudo aconteceu. Não me perguntem quais eram os times finalistas. Não faço a menor idéia. Minha intimidade com o futebol é a mesma de um estrangeiro que, ao se deparar com um turista brasileiro em suas terras, grita: Pelé! Ronaldo! Kaká!
Sou Fluminense por hereditariedade. Para desconsolo de mamãe, flamenguista de coração, meu pai me convenceu a ser Fluminense, quando eu era bem pequena. Confesso, porém, que, como torcedora, sou um fiasco. Não acompanho os jogos do meu time. Daí, nunca sei se ele ganhou ou perdeu, ou se está em condições de chegar à final de um campeonato. Simplesmente não sofro com isto.
Só não me desligo do esporte porque meu marido é torcedor fanático do Flamengo. Aliás, esse fanatismo que a maioria dos homens tem por futebol é uma coisa que me intriga. Não é normal a agonia que toma conta de Olavo e seus amigos enquanto assistem a uma partida. E a gritaria no momento de um gol? Faz estremecer o prédio inteiro. Virgem Maria!
Pois foi por causa, justamente, de um gol que me tornei personagem de uma história inusitada. Pode-se imaginar uma coisa dessas? Pois é: Semíramis, minha gata persa de estimação, tinha cruzado com o gato de um amigo meu, e estava prestes a ter sua cria, quando a partida final do Campeonato começou. A turma estava toda reunida lá em casa em volta da televisão. Meu papel na cena era cumprido com eficiência: não deixava um copo de cerveja vazio. É óbvio que as pessoas não me davam a menor “bola”, nem podiam imaginar como o estado de Semíramis me inquietava naquele momento.
Não seria minha primeira experiência como parteira. A diferença é que, da outra vez que Semíramis teve cria, houve toda uma preparação do ambiente, desde a música de fundo – um noturno de Chopin, com Nelson Freire ao piano – ao espaço em si – silencioso e acolhedor.
Este segundo parto prometia... A algazarra na sala era enorme, o ambiente estava tenso, e Semíramis não conseguia parar quieta. Tive a brilhante idéia de fazer-lhe uma massagem ayurvédica, com óleos aromáticos – coisas que a gente inventa em momentos aflitivos. Se o método dava certo com seres humanos, porque não daria com animais? Bem, não deu. A gata ficou toda melada, escorregadia. A cada tentativa de caminhar, ela deslizava alguns centímetros. E eu... atrás.
Quando o primeiro gol foi feito, os gritos que ecoaram em minha sala e pela vizinhança assustaram de tal maneira a pobre fêmea, que ela deu à luz na mesma hora. Era um macho, somente um, nascido no olho do furacão, atordoado, com os olhos assustados de quem quer saber “que lugar horrível é esse onde vim parar”. Pobrezinho... Tremia de puro terror. Semíramis o lambeu todo, e o aconchegou – infalível instinto maternal!
Todos correram para ver o recém-nascido, que se escondia no corpo felpudo e macio da mãe. A cena era realmente linda. Futebol, passes, dribles e xingamentos foram esquecidos por alguns minutos. Aos poucos, o pessoal retomou seu lugar em frente à televisão e só mesmo as crianças ainda ficaram mais um tempo entretidas com a novidade. Queriam arranjar um nome para o novo membro da família. Os palpites variavam desde Batman, Hot Wheels e Bob Esponja a Veludo, Mozart e Aristóteles. Difícil decidir!
O fato é que o jogo acabou, o dia virou noite e o gato continuava sem nome. Por incrível que pareça, nenhum combinava com o focinho assustado daquele “jovem”. Durante a semana, várias outras tentativas foram feitas, mas as crianças já estavam ficando desanimadas. O bichinho vivia escondido, agarrado em Semíramis. Se ela saía de perto dele, seu miado era um lamento doloroso.
No domingo seguinte, durante uma nova partida de futebol, é que uma idéia interessante tomou forma na mente de Olavo. Como não era jogo do Flamengo, ele estava mais relaxado. Ficou com um olho na televisão e outro nos bichanos. Pois aconteceu o que ele previa. Quando fizeram o primeiro gol, o gatinho deu um pulo e correu na direção do aparelho. Todos riram. Estava resolvido o assunto. Dali em diante, bastava gritar “Gol” que o animal aparecia, pronto para atender a seus donos.
Hoje em dia, Gol é a mascote da casa. Já não vive mais com medo. Percebeu que seu nome traz felicidade. Seja qual for o time, há sempre alguém comemorando o momento do gol; há sempre alguém chamando por ele...

segunda-feira, 9 de junho de 2008

Um dos meus grupos de literatura é formado de pessoas incrivelmente versáteis e criativas. Nossos encontros são pura diversão. Ao final deles, sempre escolhemos vários temas para serem desenvolvidos até o encontro seguinte. Não há necessidade de se escrever sobre todos eles. As pessoas geralmente escolhem somente um e pronto. Na última reunião os temas sugeridos foram: "Viagens" (por causa da viagem à Itália que a Myriam faria este mês), "Ficção Científica" (por causa da peça que a Hada Luz, atriz, está ensaiando - sobre ficção científica) e"Banheiro" (a partir de um comentário que fizemos sobre o filme "O Banheiro do Papa"). Além destes três temas, a Anna sugeriu também que desenvolvêssemos um texto sobre a lei de Darwin que diz: "Quem sobrevive não é o mais forte, nem o mais inteligente, é o mais adaptável."
Catarina, "porralouquíssima" coleguinha nossa, alagoana arretada, resolveu misturar tudo isso e fez um texto surreal, hilário, postado em seu blog www.gavetaverde.blogspot.com. Pegando carona na idéia, resolvi também fazer uma mistura de todos os temas. Foi isso aí que saiu:

A INCRÍVEL VIAGEM DE MÍRIAM
(Ficção científica)

Sylvia Regina Marin

Miriam não sabe. Não tem a menor noção. No entanto, todos à sua volta sabem – seus alunos, seus parentes, seus amigos, os colegas da oficina literária... O porteiro do prédio onde ela mora também sabe (mas isto não chega a ser uma novidade; os porteiros sempre sabem de tudo). Até o jornaleiro da esquina, o dono do bar, os freqüentadores do restaurante em frente e o sapateiro sabem.
O que ninguém tem é coragem de contar para ela. O tempo está se esgotando. É preciso armar uma estratégia com urgência. Pois foi Catarina, logo a mais perturbada das amigas de Miriam, quem teve a brilhante idéia.
- Vamos fazer plantão na porta do banheiro social do apartamento de nossa amiga!
Que “sacada” genial! Como não tinham pensado nisso antes? Difícil vai ser explicar à Miriam a estranha movimentação em sua casa, mas não há saída. Pior seria perdê-la, destinada que está a retornar a seu planeta de origem, na distante galáxia de Markarian.
Pois é... Se os que me lêem por acaso não sabem, Miriam foi trazida à Terra, em um invólucro humano, para aprender como vivem os terráqueos e tentar se adaptar ao nosso modus vivendi. Entre os voluntários que se apresentaram para a terrível experiência, ela foi escolhida por ser a mais forte e mais inteligente. Antes da longa viagem, porém, seus superiores tiveram o cuidado de apagar as lembranças de Miriam e de acrescentar, em sua fórmula, pitadas de sentimentos – amor, compaixão, tolerância, solidariedade – coisas importantes para o convívio com outros seres humanos.
Estipularam um prazo, findo o qual Miriam fará a viagem de volta. O completo êxito da empreitada a tornará a criatura mais poderosa de Markarian. No entanto, se, ao contrário do esperado, ela fracassar, sua arqui-inimiga Lea tomará o poder.
Os amigos sofrem ao pensar no destino da amada Miriam. Combinam entre si que, enquanto viverem, não permitirão que ela entre naquele banheiro. Sua derrota é evidente. Bem que ela tentou, mas como se adaptar a um mundo tão cruel onde existem tantas guerras, tanto ódio, intolerância e desamor? Talvez os markarianos tenham exagerado na dosagem de bons sentimentos, mas agora é tarde. As horas voam.
O tic-tac do relógio de parede, dentro do banheiro, deixa os nervos de quem está de plantão em frangalhos. É ali que está localizado o aparelho que emana os sinais de comando da nave-mãe. O vaso sanitário é uma caldeira em ebulição. Pode explodir ao menor contato com a pele e sugar a pessoa, através dos esgotos, até o ponto escolhido com antecedência para o resgate. A balança não está ali por acaso. Ao pisar nela, toda uma varredura pode ser feita no corpo de forma a limpar qualquer resquício de bondade. Até mesmo o inocente quadro escrito em italiano tem como objetivo disparar raios imobilizadores, se necessário.
É por isto que todos estão atentos. Miriam não entende porque há sempre alguém com dor de barriga, quando ela tenta entrar no banheiro. E, por mais que adore os amigos, que “diabos” aconteceu que essa turma não sai mais de sua casa?
Miriam não sabe; e, se depender de nós, ela nunca saberá.

Junho de 2008

segunda-feira, 2 de junho de 2008

Meus queridos leitores,
Ando um pouco afastada de minhas "literatices" porque resolvi iniciar um trabalho novo, no mercado de distribuição interativa. Como as horas livres já são poucas, agora ficou um pouquinho pior. Mas venham me visitar, de vez em quando. Quando vocês menos esperarem, aparecerei. Meu primo Carlos Affonso, lá de Manaus, ficou até preocupado com este sumiço temporário. Que fofo! Neste meio tempo, além das atividades novas, ainda tive que acudir o maridão (problemas de saúde - está melhor) e a netinha, que levou três pontos no queixo. Criança levada é assim mesmo.

Aí vai meu texto mais recente:

IMPROVÁVEL DESTINO

Sylvia Regina Marin

Sueli está excitadíssima. É hoje a reunião dos antigos colegas da faculdade. Conseguiu localizar quase todos. Bendita Internet! Sabe que está bem conservada para seus cinqüenta anos, mas o que será que eles vão achar? Engordou uns quilinhos, é verdade. Mas quem continua com o mesmo peso dos vinte anos? Ninguém, lógico! Quer dizer, talvez a magrela da Edite, que tinha pai, mãe, avô, avó, todos esquálidos na família – genética, argh! Rugas? Só mesmo quem fez plástica ou aplicou botox pode ostentar um rosto completamente esticado nessa idade. Aliás, isto é golpe baixo contra as pessoas que, como ela, não têm meios de acessar um Pitanguy.
Ouviu dizer que Marcelo desistiu da advocacia para se dedicar ao cultivo de produtos orgânicos. É bem a cara dele! Pedro está famoso. Seu nome aparece sempre nos jornais: Procurador da República! Mora em Brasília, mas prometeu vir. Será que ainda é aquele “tesão” da juventude?
Soube que Irani morreu ao dar a luz à sua segunda filha. Que triste! Glória mora em um casarão na Barra da Tijuca. Entrou para a política e se deu bem.
Sueli não teve mais notícias do resto da turma nesses últimos vinte e cinco anos. Imagina quantas histórias serão contadas, quantas experiências cada um terá vivido... Vai registrar tudo, tirar muitas fotografias e postar em seu blog. Tem de aproveitar a ocasião para divulgar o blog em que ela descreve, sob a forma de crônica, as observações do seu tumultuado dia-a-dia.
O pretinho básico já foi passado a ferro e está em cima da cama. Seus filhos dizem que ela fica muito sexy com esse vestido. Unhas feitas, sapato e bolsa separados, só faltam a maquiagem e os acessórios. Com o cabelo não precisa se preocupar. Fez um corte moderno há uma semana. Basta passar um gel e pronto. Uma gata!
Está na hora. Despede-se da família e sai, feliz, rumo ao restaurante em Ipanema. Dirige o carro sem pressa. Não há motivo para correr. Afinal, tomou todas as precauções para não se atrasar. Mas o coração parece que desanda – sabe bateria de escola de samba? Que coisa esquisita: porque será que o excitamento se transformou em nervosismo? Respira fundo e tenta afastar o mau pressentimento que a assalta.
Chega finalmente ao local do encontro. Metade da turma já está lá, rindo, se abraçando, falando todos ao mesmo tempo. Uns são reconhecidos de imediato, outros precisam dizer quem são. Também, pudera - a Renata, por exemplo, que tinha cabelos compridos, encaracolados e castanhos, está agora de cabelo curto, liso e louro – e, ainda por cima, com lentes azuis e vinte quilos mais gorda. Assim fica difícil! Cada um que chega é recebido com aplausos e gritos. Todos se levantam, mais abraços, mais beijos e perguntas sem fim. Alegria pura!
Sueli conta baixinho e vê que ainda falta uma pessoa.
- Gente, quem é que está faltando?
- Ora, quem poderia ser – responde Horácio. Quem foi sempre a última em tudo nesta turma? A pior aluna, a mais desbocada, a mais implicante, a que nos fez passar as maiores vergonhas, com aquela mania de levar para casa os saleiros e cinzeiros dos bares que freqüentávamos?
- Mônica! Gritam em uníssono.
Neste exato momento, a porta do restaurante se abre e uma freira entra. Ninguém lhe dá atenção, até que ela se aproxima da mesa e dispara:
- Puta que pariu! Vocês não estão me vendo?
Espanto geral!
- Mônica?
- Tá todo mundo com cara de babaca. Nunca viram uma freira?
- Mônica !!!!!!!!!!!
A cena não leva mais de dois minutos. Entre a alegria e o assombro, dois policiais armados invadem o local e atiram em Mônica. Levam-na toda ensangüentada, mas ainda com vida, e os ex-colegas ficam atônitos, sem entender o que aconteceu.
Sueli volta para casa desconsolada.
No dia seguinte, ao abrir o jornal, vê uma foto de Mônica e a manchete: “A TRAFICANTE MAIS PODEROSA DO PAÍS É PRESA EM LOCAL PÚBLICO DISFARÇADA DE FREIRA”.
Sueli leva um choque. Tornar-se freira teria sido um destino totalmente improvável para Mônica. Mas traficante de drogas?...

Junho de 2008

quarta-feira, 21 de maio de 2008

Ando afastada de você, meu blog querido. Trabalhos, atividades, idéias loucas - porém frutíferas - cuidados com o marido debilitado. Minha amiga Regina Cascão veio aqui te visitar. Fiquei sabendo que ela não gosta do nome "Lúcia". Só a mãe a chamava de Regina Lúcia. E descobri que ela também escreve. Faz poesias lindas. Por falar nisso, para quem gosta de dicas literárias, mais um blog imperdível, o www.gavetaverde.blogspot.com. É da Catarina Cunha, cronista "da pesada". Bom feriado!

quinta-feira, 15 de maio de 2008


Esta imagem aí em cima não é propriamente nova. Foi feita em setembro do ano passado, quando a Ana Beatriz estava aqui no Brasil. Coloquei para mostrar à minha amiga Regina Lúcia, ex-colega do Instituto de Educação que, espero, venha visitar este blog. Regina, a de amarelo sou eu, tá? Meu marido, Marco Antônio, minha filha Ana Beatriz, que mora em Barcelona, e a caçula Maria Cecília. Falta o Paulo Eduardo, o filho mais velho. Outra hora eu te mostro.
Meu texto de hoje:
CIRANDA

Sylvia Regina Marin

Pela janela do apartamento de meus pais, observo as crianças lá embaixo, na pracinha, a brincar e correr. As menores ficam perto das avós ou das babás (sim – as mães modernas não têm tempo para essas coisas). As mais velhas sobem no escorrega, andam na gangorra, vão para o balanço, tudo em velocidade digna de um rali. Quanta energia, santo Deus!
Venho somente uma vez por ano a São Paulo, para rever os parentes, e é nessas ocasiões que dedico umas horinhas para observar o movimento dessa praça. A vida aqui é bem diferente da pequena cidade onde moro, no sul da Itália. Mas as crianças... – coisa fantástica! – têm as mesmas reações, brincam da mesma forma, testam a autoridade dos adultos do mesmo jeito. Um grupo de meninas se junta agora e faz uma roda. Elas devem ter entre cinco e seis anos – que fofas! – e começam a cantar:
Ciranda, cirandinha
Vamos todos cirandar...
Fico admirada de ver como Alice cresceu. Rafaela engordou muito. Será que a mãe não percebe que ela pode ficar obesa quando for adulta? Já Luísa está bem magrinha. Talvez tenha estado doente, quem sabe? Aquela lourinha eu não conheço – deve ter-se mudado este ano para o condomínio. Olha como a Nina está bonita... Já não tem mais aquele rostinho de bebê. E Maria Clara, hein? Continua a se vestir como um menino (sua mãe diz que ela adora imitar o pai em tudo). Sinto falta de Bela, a mais engraçada de todas. É geralmente a primeira a quem procuro com os olhos.
- Mãe, a Belinha ainda mora aqui no prédio? Não a vi desde que cheguei.
Mamãe hesita. Seu olhar fica triste e, por um momento, me parece que ela vai desfalecer. Corro, aflita, sem entender o que está acontecendo. Talvez a menina tenha contraído alguma doença grave ou... Não, tento tirar pensamentos mórbidos da cabeça. Mas a agonia dentro do peito continua.
É Jurema, a empregada, quem me dá a notícia que minha mãe não consegue articular.
- Mas a senhora não soube da tragédia? A menina foi jogada pela janela pelo próprio pai e se estatelou lá embaixo. É a encarnação do demônio aquele homem. Tinha sangue em tudo que era lugar. A madrasta...
- Chega, chega, Jurema, pelo amor de Deus! Não quero ouvir mais nada!
Agora sou eu que vejo tudo girar. Sento no sofá e seguro as mãos de mamãe. Choramos as duas por uns instantes. Perco a consciência do meu próprio corpo e me recuso a aceitar o que acabei de ouvir. Tudo que me vem à mente são os profundos olhos castanhos, a pele corada, o riso contagiante, os cabelos ao vento de uma menina de cinco anos cujo nome nem ao menos sei. O apelido “Bela” seria de Anabela, Florisbela? Talvez fosse Isabela... Mas isso já não importa mais.
A ciranda na praça continua. A vida segue em frente. Teremos novos motivos para rir, chorar, beber, dançar, lamentar. Vamos cair e nos erguer de novo.
Será que conseguiremos esquecer que um dia Bela existiu, e que lhe foi tirado, de forma trágica, o bem mais precioso que ela possuía? Não sei. Só o tempo dirá.

sábado, 10 de maio de 2008

Pronto. Já estou outra mulher. Fiz bastante meditação ontem e hoje. Deu certo. Tive uns insights fantásticos. Nada como a gente exercitar a introspecção e a intuição. Ontem à noite desopilei o fígado, vendo o programa do Luís Fernando Guimarães, Dicas de um Sedutor. Nunca fui muito fã do L. F. Guimarães, mas devo confessar que ele está hilário nesse programa. A Ireve Ravache também deu um show, como sempre. Deitei à meia-noite e só acordei hoje às 10 e meia da manhã. Não foi ótimo? Revigorante! Hoje meu filho Paulo Eduardo veio, com a Lili e o Lucas, tomar um lanche comigo. Batemos bastante papo, matamos a saudade e ainda ganhei umas coisinhas lindas que minha nora fez para mim. Ela é muito fofa - super habilidosa.

Meu texto de hoje se chama "Metáforas". Feliz Dia das Mães para todos!

METÁFORAS

Sylvia Regina Marin

- Minha sobrinha é uma pérola! – costumava dizer tia Julieta quando me apresentava a seus amigos.
Desde bem pequena, sempre que ouvia essa frase, meu peito inchava. Não sabia o que ela queria dizer exatamente, mas me seduzia o som proparoxítono e rebuscado da palavra “pérola”. O brilho nos olhos de titia e seu sorriso carinhoso confirmavam minha suspeita de que ela me considerava uma menina especial. As pessoas me olhavam com admiração e, não raro, faziam comentários do tipo:
- Que amor de criança!
- Como ela é delicada!
- Comporta-se tão bem para a idade!
- Você tem razão, Julieta, ela é uma jóia rara!
O tempo foi passando. (Crianças crescem rápido...) Logo aprendi o significado da palavra que era repetida como um mantra toda vez que uma oportunidade propícia aparecia. E não é que me apaixonei por pérolas? Já adolescente, tinha mania de recortar, das revistas de mamãe, as fotografias de mulheres elegantes que ostentavam lindos colares de pérolas. Grace Kelly e Jacqueline Kennedy foram meus modelos de elegância.
Naquela época, eu não sabia a força que as palavras têm. Hoje, no entanto, quando relembro a fase terrível de minha adolescência, o que me vem à cabeça é exatamente a imagem da pérola enclausurada dentro de uma ostra. Pobre tia Julieta! Jamais a acusaria de ter desejado isso. Aconteceu. Mas a correlação é inevitável. Sorrio quando penso na quantidade de lágrimas que uma menina-moça é capaz de derramar e no desperdício de sofrimento que a faz tão infeliz, nesse período da vida. Comigo não foi diferente. Meus hormônios faziam uma revolução interna que a cabeça não sabia entender. E, ao invés me abrir para o mundo, cada vez mais me fechava em uma concha de introspecção e timidez. Foram anos terríveis, mas já estão distantes.
No tempo certo, amadureci, me casei, tive filhos... Tornei-me, vamos dizer assim, uma pérola cultivada. Não se espantem - tia Julieta continuava a me ver da mesma maneira. Seu olhar amoroso nunca se modificou. Nem mesmo quando, em determinada fase de minha existência, em uma atitude de pura rebeldia, resolvi abandonar a família para morar com os índios, no Alto Xingu. Durante um ano experimentei a liberdade de não ter compromissos burocráticos, de conviver com gente simples, de me alimentar de forma natural. Apesar da falta de conforto, os primeiros meses transcorreram suavemente, como se meu espírito estivesse em conexão total com a natureza. Aos poucos, porém, comecei a sentir falta dos livros, dos programas culturais que sempre amei, cinema, teatro... Tentei formar um grupo de atores na taba, mas os índios não me levavam a sério. Aulas de Português então... nem pensar. E o que eu faria, no meio da selva, com os conhecimentos de inglês e francês que adquirira na escola? Desisti.
Quando voltei, recebi críticas de toda a família, com exceção de tia Julieta, que manteve a coerência com que sempre me tratara. Ao abraçá-la, emocionada, ela sussurrou:
- Querida, não me leve a mal – tenho o maior respeito pelo povo indígena – mas o que você tentou fazer foi dar “pérolas aos porcos”...
Ri gostosamente.
- Ah, minha tia... Você e suas metáforas!

quinta-feira, 8 de maio de 2008

Ando um pouco desanimada. Sei que, daqui a pouco vou melhorar, porque sou mestre na arte de me erguer, de nariz em pé, dos tombos que a vida me apronta. Até lá, mentalizarei bastante luz - a luz do amor, da alegria de viver, da saúde, da energia, da confiança, do equilíbrio. Vocês vão ver: já, já me aprumo.

O texto de hoje foi uma proposta de trabalho feita pelo professor João Pedro Roriz na primeira aula da Oficina Literária do Castelinho, no ano passado: um texto sem verbos. Foi escrito no metrô, a caminho do Flamengo. Deu nisso:

SONHO DE UMA NOITE DE VERÃO

Sylvia Regina Marin

Lembranças da infância: pássaros no céu, rio cheio de peixes, um bosque com árvores copadas, uma bola na frente e cem crianças atrás.
O casarão da vovó no alto da colina. Flores mil, uma horta no capricho e o pomar! Ah! o pomar! Quantos aromas inebriantes: de pêssego, manga, maçã...
Leite fresquinho, queijo da fazenda, legumes sem agrotóxicos, frango sem hormônio... E o bolo de fubá de dona Benta? Que delícia!
Sol, muito sol, passeios a cavalo, a música de Chico Viola, as serestas das noites de luar.
Saudades...

segunda-feira, 5 de maio de 2008

O texto que vou postar hoje foi escrito há bastante tempo. Os personagens, Rodrigo e Leila, apesar de serem filho e mãe no texto, não têm nada a ver com minha amiga Leila e com seu filho Rodrigo, cujos perfis são bem diferentes.

MERGULHO

O azul límpido da água sempre o fascinou.
Desde pequeno, Rodrigo ficava horas a contemplar as braçadas elegantes que sua mãe dava naquela piscina. Acompanhava o ritmo batendo palmas, de início. Aos poucos, aprendeu a contar o número de voltas e, mais tarde, já usando um cronômetro, marcava o tempo, incentivando-a a melhorar seu desempenho. Não que Leila tivesse pretensões de competir – ela simplesmente se divertia. Ah, sim! Aproveitava também para modelar o corpo, motivo de inveja das amigas do Country.
Foi Leila quem lhe deu as primeiras lições: mergulhar de olhos abertos, bater perninhas na prancha, boiar no flutuador... Sua casa era uma festa: vivia cheia de amigos. Rodrigo, no entanto, se fechava em um mundo particular, que só tinha sentido quando seu corpo se envolvia pela imensidão daquelas águas. A mãe achava que o filho era uma criança extravagante:
- Com essa mania de não sair da piscina, penso que Rodrigo gostaria de ainda estar dentro do útero! dizia ela às gargalhadas.
Ele ficava triste quando ela brincava assim, mas, no fundo, talvez estivesse certa. Dentro d´água ele era feliz: não havia som que o incomodasse, professores a lhe gritar que prestasse atenção, regras e etiquetas a cumprir. Rodrigo era dono do seu tempo, senhor absoluto de seus atos e, de quebra, entrava em êxtase ao ter a pele acariciada pelo toque mágico das pequenas ondulações que o próprio corpo formava.
Às vezes, mãe e filho nadavam juntos, mas esse prazer foi ficando cada vez mais raro. Ele não se lembra quando foi que ela parou definitivamente. Só recorda das dores, dos médicos à cabeceira dela, das injeções de morfina que a deixavam semi-consciente. Tem uma vaga lembrança de que foi nesse período que os treinos na piscina se intensificaram. A seu pedido, o pai contratou um antigo atleta profissional, que o acompanhava todas as manhãs em sua frenética busca pela perfeição. O objetivo de se superar era perseguido de maneira doentia. O treinador o alertava para que não cometesse excessos, mas ele se recusava a escutar.
Na casa, ninguém lhe dava atenção. Nem perceberam quando parou de ir à escola. Corações e mentes se voltavam para Leila, cujas dores destroçavam todos ao seu redor. Em um tempo que ele não sabe definir se longo ou curto, aconteceu o que as pessoas esperavam: antes, com medo; no final, com resignação. Ela se foi.
Exauridos pela batalha perdida, embotados pelo sofrimento, parentes e empregados da casa se esqueceram do rapaz tímido, que não incomodava ninguém, que era como se não existisse. Rodrigo já não nadava mais, se recusava a comer, não tomava banho. Definhava aos poucos. Apagou.
Desse mergulho profundo para dentro de sua alma, tem recordações dos sonhos em que se debatia na piscina para salvar a mãe, dos homens de branco que lhe davam pílulas, do pai, que aparecia aos sábados para visitá-lo.
Hoje está de volta à sua velha casa. Tudo está igual, mas, ao mesmo tempo, tão diferente ... Através da janela do quarto, absorto, contempla a piscina.
O azul límpido da água sempre o fascinou.

sexta-feira, 2 de maio de 2008

Para quem gosta de prestigiar novos autores, que ainda não são famosos, mas que têm tudo para ser, indico aqui o blog da Rachel Souza (http://rachel-souza.blogspot.com) e o site da Rosa Pena (www.rosapena.com), ambos deliciosos. Delicioso é também o blog da Beth Lucas, amiga de longos anos e madrinha da Maria Cecília, que faz uma crônica diária, com fotos, poesia e uma observação da vida, que é uma gostosura só (http://supremamaegaia.blogspot.com).

E como tirei hoje o dia para fazer homenagens, aqui vai um poema de Manoel Herculano, novo membro de nossa Oficina Literária Independente e Democrática:

SUTILMENTE
Manoel Herculano

Quando deixei escapar aquele olhar suplicante
Quando prolonguei ao máximo aquele aperto de mão
Quando quase exagerei naquele abraço
Quando me atrapalhei ao beijar seu rosto e por pouco não beijei sua boca
Quando gaguejei ao pronunciar uma única palavra, te cumprimentando
Quando fiquei mudo naquele encontro casual
Quando calei os suspiros gritantes da minha alma
Quando o meu sorriso amarelou e escondeu-se envergonhado
Quando não foi possível contar o sonho que tive com você
Quando esqueci de fechar a boca ao te encontrar
Quanto insisti para que ficasse, sem um porquê
Quando consegui saborear o seu beijo que nunca provei
Quando me ausentei por alguns segundos ao ouvir sua voz
Quando meus braços obedientes me desobedeciam e entrelaçavam seu corpo
Quando minhas pernas trêmulas teimavam em correr em sua direção
Quando eu tropeçava em meus próprios passos e cambaleava feito "o bêbabo e o equilibrista"
Quando as idéias embaralhavam e as palavras formavam outra frase
Quando meus olhos, cegos, não enxergavam outra flor nem outro ramo
Quando tudo isso acontecia, admito agora, e não reclamo
Era todo o meu ser que sutilmente berrava: Eu te amo!

terça-feira, 29 de abril de 2008

Gente, olha aí a Bia fazendo um desenho na escola. Foi na aula do professor Leo, que ensina Ciências Ambientais. Ela estava fazendo o desenho de um bichinho que ele levou (agora não me lembro qual, só sei que o nome era Albertina). Ele leva cada coisa... até uma iguana já foi parar na Studio da Criança.

Hoje vou postar um poemeto. Lá vai:

SUTILEZAS

Sylvia Regina Marin

Gosto quando me encontras
Bela, elegante e charmosa.
Com uma leve maquilagem,
Bem saltitante e cheirosa.

Tu me olhas com admiração
Reparas em minha pele tratada
Com certeza pensas que estou
Feliz e muito bem-amada.

Enfrento teu olhar inquisidor
E levanto a cabeça, segura
Abro meu melhor sorriso
Sem rancor, nem amargura.

As marcas da dor, no entanto,
Estão todas lá, disfarçadas,
Em tramas sutis e enganadoras
Como telas mal pintadas.

segunda-feira, 28 de abril de 2008

Depois de uma semana com dois feriados, imposto de renda para fazer, e assuntos a discutir com meu advogado na cidade, fiquei um pouco atrasada em meus escritos. Em compensação, entrei para mais um grupo literário. Bem, este vai se reunir somente uma vez por mês. Se não, seria difícil dar conta. Além deste blog, escrevo também para o http://versoseacordes.com e para o site www.elianebrasil.com.br. Quem quiser me visitar em outras prais, fique à vontade. Alguns textos naturalmente se repetirão.

Hoje vou colocar um pequeno texto feito em fevereiro, após o Carnava.

ENREDO - SAMBA

Saí da floresta amazônica para conhecer o mundo. Estava semi-nua sim, pois minha tribo ainda não conhecia a civilização. Era um domingo e me lembro do espanto com que algumas pessoas me olhavam. A partir de um certo ponto, porém, já não ligavam mais para mim. Havia gente mais bonita do que eu, com menos roupa do que eu, e quantas luzes ...
Cansada, entrei em um navio com destino à Espanha e adormeci. Acordei na segunda-feira em um lugar exótico, touros correndo pelas ruas e monstruosos seres humanos tentando matá-los. O que aliviou minha tensão foi um grupo de dançarinas de cabelos negros, iguais aos meus, vestidas de vermelho e preto, com sapatos que batiam forte no chão e torcendo nas mãos algo que me pareciam cigarras a cantar. Que alegre visão!
A multidão me empurrava e eu me deixava levar, sem destino. Pois foi assim que, na terça-feira, cheguei à Cote D´Azur, na Riviera Francesa. Na pequena cidade à beira-mar que me acolheu, fiquei surpresa com a quantidade de pessoas diferentes de mim que andavam de um lado para o outro na Croisette. Vários cartazes mostravam figuras de bichos, monstros, gente, flores ... Isto sem falar dos carros alegóricos, que eram a mais perfeita descrição do deslumbramento.
Pulei, dancei, cantei e, novamente exausta, adormeci entre um africano e um toureiro. No dia seguinte, acordei atônita. O ar estava parado, a alegria – congelada; a luz do sol me ofuscava.
- Onde estou? perguntei a mim mesma.
Só então me dei conta da triste realidade: era quarta-feira de cinzas.

terça-feira, 22 de abril de 2008

Atendendo a insistentes pedidos do meu ENORME fã-clube, aí vai mais um texto de minha autoria.

Observação: por ENORME entenda-se: "Não necessariamente grande, porém de categoria."

CALO DE ESTIMAÇÃO

Sylvia Regina Marin

- Rodooolfo, me dá mais um beijinho?
- Vem cá, minha gostosa, que eu vou cobrir você de beijos.
- Ai, pára, pára, está fazendo cócegas...
- Tá bem. Parei.
- Não. Continua, fofo. Se eu chegar atrasada ao escritório de novo, digo que tive de ir ao enterro de uma tia.
- Isso é mórbido, Lena. Quantas tias você já matou este mês?
- É mesmo. Melhor eu tomar um banho. Mas chega cedo em casa hoje, amor. Mandei a Zefa fazer sua torta preferida, aquela de damasco com nozes. Tenho umas supresinhas também, mas só à noite.
- Ih! Acho que perdi alguma coisa. Não é meu aniversário... Estamos comemorando algo especial?
- Rodolfo, hoje faz exatamente um mês que não temos nenhuma briga.
- Jura? Nem uma pequena discussão? Tem certeza de que há trinta dias eu não falo mal da sua mãe, nem você xinga meus amigos do futebol?
- Tenho. Marquei no calendário.
- Caramba! Nem percebi...
- Desde a última vez que nos desentendemos, percebi o quanto você era importante na minha vida e que não valia a pena a gente gastar energia com bobagem. Você é o meu homem, meu tesão, meu colírio, meu pote de mel, minha fonte da juventude.
- Ah! Leninha, você é que é meu doce de coco, minha mousse de chocolate, meu sorvete de manga, meu pudim de pão.
- Meu pirulito de framboesa!
- Meu pêssego em calda!
- Minha banana caramelada!
- Meu figo maduro!
- Meu ursinho de pelúcia!
- Minha... meu... meu... meu calo de estimação!
- Epa, calo? Aquela protuberância horrorosa, dura, disforme, que incomoda e dói?
- Não, Leninha, calinho de es-ti-ma-ção, que a gente gosta de acariciar e fazer cafuné, quando lateja.
- Se lateja, não é uma coisa agradável; ainda por cima, é visualmente anti-estético e impede o portador do mesmo de exibi-lo quando vai à praia, por exemplo.
- Lena, nós estávamos brincando, esqueceu? Helloooooo!
- Então você estava brincando? Era tudo de mentirinha? O que você quis dizer com “figo maduro”? Sim, porque, se o figo está maduro, já, já ele cai do pé. Quem sabe estou para dobrar o cabo da boa esperança e nem me dei conta.
- Lê, vamos parar por aqui? E nossa comemoração?
- É assim que você me vê: velha, feia, incômoda. Tem vergonha de mim, não é? Seus amigos devem morrer de rir quando fico em casa vendo televisão enquanto a turminha sai para o futebol, o chope, e sabe-se lá o que mais.
- Minha paciência esgotou. Vai, liga agora para sua mãe e pede para ela vir consolar a filhota, tão mal casada, pobrezinha.
- Não ouse falar da mamãe. Sabia que foi ela que me deu a receita da torta de damasco com nozes que você tanto ama, bobalhão?
- Não sabia, não queria saber e, para ser sincero, tenho muita raiva de quem sabe. E tem mais, não suporto esta torta. Eu disse que gostava para agradar você. Odeio nozes. Damasco me dá azia. Sou chocólatra.
- ...
- Lena, não adianta fazer biquinho, nem chorar. Não ligo.
- Quero morrer... Como sou infeliz!
- Deus do céu! Tudo isso por causa de um calo de estimação que nem existe.

Março de 2008

quinta-feira, 17 de abril de 2008


Ai, que saudade do meu blog...

Andei super enrolada esses dias - não escrevi nada. Me encrenquei com uma impressora nova (multi-funcional, modernosa, A máquina). Instalei tudo direitinho, seguindo "ipsis literis" o manual de instalação. Me senti o máximo. Tudo terminado, eu felizinha da vida, o que fiz? Imprimi um texto, é claro. Isto é, tive a sensação de que dei o comando, mas a danada não quis me obedecer. Vejam se eu tenho idade para lidar com desobediências e malcriações... Desinstalei a safada e fiz todo o processo de novo. Nada. Me rendo às evidências. Vou procurar ajuda. Ah! Como era bom quando meu filho morava comigo. Em dois tempo ele teria dado um jeito nessa história. No meio dessa confusão, tive tempo para ir a Teresópolis no final de semana curtir aquela paisagem exuberante da serra, fui à pré-estréia da peça teatral "Ninguém é Perfeito" (prestigiar minha amiga Giovanna Gold, que dá um show), fui ao lançamento do livro "Tijuca em Crônicas" (uma das cronistas é minha amiga Luci), tonalizei e hidratei meus cabelos, e assisti a dois filmes: "Um Plano Brilhante" e "Um Beijo Roubado". Ufa! Recomendo aos amigos o filme do Jude Law ("Um Beijo Roubado", tradução horrível para o lindo original "My Blueberry Nights"). O diretor é chinês (Wong Kar Wai), mas o filme é passado nos Estados Unidos, com interpretações memoráveis do Jude Law (é claro - bem, esse não precisa nem falar, basta iluminar a tela - vamos combinar!), da Natalie Portman, da Rachel Weisz e do David Strathaim.

A fotografia lá em cima é uma foto temática Bia, no parque do Beto Carrero, em Santa Catarina.


quinta-feira, 10 de abril de 2008

Ontem acordei às 6 horas da manhã e fui dormir à meia-noite. Tive um dia cheio. Mas cheio mesmo - de acontecimentos, experiências, constatações e encontros. Foi ótimo. Após árduos anos de trabalho formal, em que era obrigada a acordar entre 5 e meia e 6 horas, tenho me dado ao luxo de ficar na cama até mais tarde. Mas ontem tinha um motivo justo para madrugar. Levei Cecília e Beatriz (filha e neta, para quem não está ligado) ao aeroporto. Cecília está de férias e aproveitou para passar uns dias em Camboriú com a filhota. Bia estava animadíssima com a perspectiva de sua primeira viagem de avião. Tanto que acordou sozinha, ninguém precisou chamar. Fofa! De volta à casa, dei uns telefonemas, tomei algumas providências domésticas e pus o maiô para ir à aula de hidroginástica. Minha turma tem uns 20 alunos - homens e mulheres de idades variadas; mas a maioria é composta de senhoras, à procura de um exercício físico que lhes dê prazer e, ao mesmo, consiga dar uma ligeira enrijecida nos flácidos músculos. Eu sou aluna aplicada. Uso caneleiras, pego pesos, faço tudo que a professora manda, no ritmo devido. Saio sempre satisfeita. Ontem, no entanto, a professora estava tão "atacada", gritando, mandando todo mundo acelerar, aumentando o som, que parei para pensar: "O que estou fazendo aqui?"
Levo anos da minha vida tentando me equilibrar, atingir um estágio de paz interior e me vem essa histérica atordoar minha cabeça e meus sentidos? Desculpem o mau Português, mas "tô fora". É como diz minha amiga Beth, em seu lindo blog Suprema Mãe Gaia, as pessoas perderam a noção das coisas. Em nome de um suposto rejuvenescimento, uma magreza forçada, uma busca irrefreada pelo "belo", tem gente fazendo barbaridades - botando os bofes pela boca nas academias, repuxando o rosto até atingir o sorriso eterno, se arriscando em "lipo-pirações". Arre!
À tarde, terminei um texto sobre "Boicotes" para ler na reunião da noite, do grupo de literatura, na casa da Myriam, em Copacabana. Nossos encontros são um verdadeiro "happening". Pena que a Giovanna Gold, que é atriz, não pôde ir dessa vez - ela sempre dá o tom performático da noite. Já pensei em sugerir que essa oficina literária passe a se chamar oficina terapêutico-literária, porque o que a gente põe para fora não é brincadeira. As idades dos participantes varia dos 20 ao 70 anos. Não é lindo isso? É uma alegria tão grande a nossa troca... Ontem, a Aline, grávida de 6 meses, apareceu. Há tempos ela não ia. Está linda, exuberante, se amando muito e curtindo a barriga de forma extraordinária. Esse encontro amoroso de pessoas maduras com jovens cheios de energia é tão frutífero que vocês não podem imaginar. Às 22:30 h cheguei em casa. Silêncio completo. Marco Antônio já tinha ido dormir. Aproveitei, então, para fazer uma coisa que adoro: sentei no sofá e liguei a TV no "Saia Justa". Adorei o programa, como sempre. Depois dei uma zapeada, vi uns pedacinhos de filmes e fui dormir. Uf! Em boa hora - cansada, mas feliz.

sexta-feira, 4 de abril de 2008

O tema desta semana da "Esquina Literária" é, vejam só, "Encontros Possíveis". A Lice lançou o tema sem lembrar que era o nome deste blog. Depois, ficou contente com a descoberta e disse que seria uma homenagem a mim, que sou a caçulinha do grupo. Ela é uma fofa. O "caçulinha" é por conta de eu ter sido a última a ingressar no grupo, e não pelos meus 15 (x4) anos de praia.
Lá vai:

ENCONTROS POSSÍVEIS

Sylvia Regina Marin

Marília está só. Literalmente. Os filhos debandaram como andorinhas em revoada - seguiram os caminhos do destino. O marido... já o perdeu faz tempo, enredado pelas tentações fugazes a que a fraqueza humana se expõe. Amigos fiéis? Sim, alguns: Laura, Regina, Pedro, Augusto... Comunicam-se pela Internet. Laura se apaixonou por um holandês e foi morar em Amsterdã. Regina vive ocupada com os quatro netos e, quando lhe sobra um tempinho, só quer saber de dormir. Pedro se casou, no mês passado, com a melhor amiga da filha caçula – anda, portanto, ocupadíssimo. Augusto recebeu uma boa proposta de trabalho e foi morar em São Paulo.
Só. Inteiramente. A companhia de bichos não a seduz. Descarta, portanto, a sugestão da vizinha do apartamento em frente, que insiste para que ela adote um cãozinho, ou mesmo um gato - um porquinho da Índia, quem sabe? Este não é seu esporte favorito. A única vez na vida em que cedeu aos apelos do filho mais velho, e comprou um aquário com peixes, foi um fiasco. Esquecia de colocar comida, de trocar a água e limpar o aquário, enfim... Os animais acabaram morrendo. Eles morreriam um dia, de qualquer jeito, mas não precisava ser por descuido seu, nem antes da hora, não é? Marília ficou três dias de cama naquela época – remorso e depressão.
Só. Irremediavelmente. Teve sua cota de ligações amorosas: algumas intensas, outras escorregadias, amigos que se tornaram namorados, amores de verão, amantes “iô-iô” – é, do tipo que vai e vem – amizades coloridas... Pode-se dizer que foi eclética. As melhores lembranças ficam por conta dos que a fizeram rir muito – qualidade rara hoje em dia. Ah! e de dois homens especiais que, em períodos distintos, que fique claro, foram seus mestres na arte da carícia, do gozo, do prazer incondicional. Pensando bem, não tem do que se queixar. Quantas mulheres ela conhece que podem dizer o mesmo? Mas eles se foram. Por um motivo ou outro, partiram.
Só. Desesperadamente. A turma da faculdade se dispersou. Os colegas de trabalho só falam de futebol, Big Brother, novela e o pagode do fim-de-semana. Por mais que tente, ela não se enquadra. A empregada, que trabalha em sua casa há mais de vinte anos, tem sempre histórias fantásticas sobre roubos, estupros e mortes, que ela não quer ouvir, não quer saber, mas não sabe como evitar. Tudo acontece naquele fim de mundo onde a pobre Isaura se consome de tanto sofrer. Às vezes tem vontade de se sentar à mesa da copa e conversar com Isaura sobre coisas comuns, do dia-a-dia. Mas a conversa é sempre adiada para um momento melhor, em que as duas mulheres estejam mais leves e disponíveis. E esse momento nunca chega.
Só. Ironicamente. Lembra do tempo em que era a aluna mais popular do segundo grau. Não havia festa para a qual não fosse convidada. Era líder de todos os movimentos estudantis e musa dos arroubos literários dos fãs mais exaltados. Que fim levou essa gente? Como se deu a ruptura? Ela nem percebeu... Pede uma escada a Isaura. Abre a porta mais alta do armário de seu escritório e de lá retira uma caixa repleta de fotos e bilhetes. Sorri. Relembra. Emociona-se. Chora. Tem consciência de que é responsável por suas escolhas.
Viveu o que decidiu viver. Teve os encontros que atraiu. Se está só nesse momento, é dentro de si mesma que deve procurar a razão.
Reage. Enxuga as lágrimas e promete a si mesma que vai tentar juntar seus pedaços. Reunir a turma será o primeiro passo. Vai ser difícil achar todo mundo – talvez pelo Orkut. Ela sabe que, mesmo entre aqueles que forem localizados, muitos não se farão disponíveis. Não importa. O que vale agora é que existe esperança.
Marília continua só. Mas, de repente, está aberta para a vida. Novamente assume as rédeas do seu destino e programa os encontros que terá pela frente. Serão prazerosos? Frutíferos? Ela não sabe. Sua única certeza é a de que eles serão os encontros possíveis.

Abril, 2008

terça-feira, 1 de abril de 2008

Estou tendo enormes atritos com uma urucubaca que baixou por aqui. Não consigo mandar mensagens para o pessoal do meu grupo no yahoo. Esse é o grupo denominado de Oficina Literária Independente e Democrática. Na penúltima reunião que fizemos, falamos tanto sobre terapia e terapias que este ficou sendo o tema sobre o qual escreveríamos para apresentar na reunião seguinte. Funciona assim: cada um lê o que escreveu e depois coloca o texto no yahoo para que os que não foram possam ler. Desde a última quinta-feira tento enviar meu texto e ele se recusa a ir. Acho que ele tem personalidade própria. Mas como sou teimosa, vou postá-lo aqui e dar um jeito de avisar ao pessoal para vir me visitar.
Aí vai:

TERAPIA?

Sylvia Regina Marin

Quinta-feira, 31 de janeiro de 2008

- Meu último dia de férias – pensa Lê – enquanto remexe nas gavetas da mesinha de cabeceira.
Ah! Enfim acha o que procura. Um pedaço de papel onde escreveu, durante a festa do Reveillon, as promessas de fim de ano – tudo que ela estava adiando há algum tempo e se comprometia a realizar no ano seguinte.
Pega uma caneta e se recosta em sua poltrona favorita.
- Ainda bem que o João Pedro foi ao supermercado fazer as compras de mês. Esse meu maridinho é um anjo. As crianças só voltam à noite da colônia de férias. Então, deixa eu aproveitar para checar minha lista. Vamos ver:
- Voltar para a academia de ginástica - Ha!ha! Voltei há duas semanas. Riscado.
- Visitar minha sogra duas vezes por mês - Hum! Só fui uma vez em janeiro; fevereiro é um mês curto... em março, eu começo de verdade.
- Marcar ginecologista - Feito. Tudo bem lá por baixo. Riscado.
- Fazer um peeling de cristal – Só no inverno, disse a dermatologista. Está bem.
- Fazer terapia.
Lê esbarra nesse item. Ela acha que não precisa dessas coisas. É uma pessoa feliz, sempre com o astral nas alturas, tem um marido maravilhoso (em todos os quesitos), trabalha no que gosta, ganha bem, os filhos são saudáveis e inteligentes, sua casa é confortável... Sim, tem seus problemas, como todo mundo, mas trata de resolvê-los rapidamente para ficar livre. Nada que não termine com uma sonora gargalhada, e pronto.
Sua irmã mais velha, porém, sempre que pode, insiste para que ela procure um terapeuta:
- A terapia funciona como um instrumento para as pessoas se conhecerem melhor. Isto é muito importante na vida. Veja o meu caso. Há vinte anos me consulto com o Dr. Mascarenhas e, a cada dia, descubro coisas novas a meu respeito, coisas que estão escondidas no subconsciente.
Lê não quer seguir os passos da irmã e ficar tantos anos presa a uma pessoa. Mas não nega que tem uma certa curiosidade sobre o assunto. Já andou pesquisando e decidiu marcar uma hora com a terapeuta holística de sua amiga Lídia.

Segunda-feira, 11 de fevereiro de 2008

Lê toca a campainha do consultório da Dra. Mônica. Surpreende-se ao encontrar uma mulher com roupas indianas, cabelos longos e um sorriso encantador, que lhe pede para tirar os sapatos. Sente-se confortável naquele ambiente. A música relaxante e o barulhinho da água que jorra de uma fonte fazem sua mente vibrar em uma sintonia de amor.
Dra. Mônica pergunta seu nome completo e ela responde:
- Legiomar Sylvianna Becademy da Silva, mas pode me chamar de Lê.
- Ora, um pouco estranho seu nome, não é? Você gosta dele?
- Bem, não posso dizer que adoro, mas estou acostumada.
- Alguma vez zombaram de você por causa disso? Na escola ou em família?
- É, já aconteceu...
- Você teve ódio de sua mãe por ter lhe dado esse nome?
- Não, isso nunca me passou pela cabeça, mas... pensando bem...
- E seu pai? Será que foi idéia dele? Seus pais brigavam muito?
- Eles se separaram logo depois que eu nasci.
- E você acha que seu nascimento teve algo a ver com essa separação?
- Não sei...
- Relaxe, me fale sobre as coisas que você se lembra da infância, sem se preocupar com a ordem dos fatos.

Segunda-feira, 18 de fevereiro de 2008
- Como vai, Lê? Gostei de ver. Você é pontual.
- Tudo bem, Dra. Mônica? Tive um sonho estranho esta noite.
- Conte.
- Sonhei que estava na praia e de repente tirava a roupa toda e entrava nua no mar. As ondas eram muito altas e eu não conseguia voltar para a beira. Nadava desesperadamente até que apareceu um tubarão. Em vez de me atacar, ele me carregou nas costas até uma ilha deserta e me deixou lá.
- Hum... Águas revoltas... Precisamos cuidar urgente do seu emocional. Você se sentia bem nessa ilha?
- Claro, depois de quase morrer afogada e do susto com o tubarão, a ilha era um paraíso.
- É bem nítido que existe um problema de relacionamento com seu marido. Falta alguma coisa no casamento? Quais são os defeitos dele que irritam você? Fale tudo que vier à cabeça.


Segunda-feira, 25 de fevereiro de 2008
- Dra. Mônica, estou muito chateada. Briguei com a Rebeca, minha irmã. Ela acha que sua terapia anda muito rápido e está confundindo a minha cabeça.
- Fale-me sobre sua irmã.
- Ela é psicanalista kleiniana. Sempre foi a primeira da turma. Muito inteligente e autoritária. Adora mandar nos outros.
- Minha querida, vejo que temos um importante material para trabalhar. Você tem inveja de sua irmã, sente-se inferior a ela. Por isso, ela manda e você obedece.
- Não, doutora, eu disse que ela gosta de mandar, mas não disse que eu obedeço.
- Inconscientemente, obedece sim. Veja bem...

Segunda-feira, 3 de março de 2008
- Dra. Mônica, não vim me consultar hoje. Vim me despedir.
- O que houve? Estávamos indo tão bem...
- Pedi demissão do emprego, vendi meu carro, me despedi do João Pedro e das crianças e comprei passagem só de ida para o Nepal. A louca da minha irmã diz que eu pirei, veja só... Agradeço à senhora ter me mostrado quem eu sou realmente. Minha vida era uma farsa. Sei que estou deprimida, mas com o tempo isso vai passar. Adeus!
- Mas, Lê, ainda faltavam tantas coisas para você descobrir...

Março de 2008

Notas da Autora:
1) O nome “Legiomar Sylvianna Becademy da Silva” é uma homenagem aos participantes da Oficina Literária Independente e Democrática, que se reúne duas vezes por mês na casa da Myriam.
Vejam só: “Legiomar” se forma com as primeiras letras dos nomes Letícia, Giovanna e Márcia; “Sylvianna” se forma com as primeiras letras dos nomes Sylvia, Vilma e Anna (esse foi todo); “Becademy” se forma com as primeiras letras de Bete, Catarina, Dede (sempre presente, apesar da distância) e Myriam. O “da Silva” homenageia nosso querido Vlad.

2) O texto é obviamente uma brincadeira e não faz jus ao trabalho sério de inúmeros terapeutas, de todas as linhas, que nos ajudam bastante a desatar os nós com os quais nos enroscamos durante a vida.

segunda-feira, 31 de março de 2008

Minha irmã Berê acabou de me avisar que andou divulgando meu blog entre os amigos dela. Não é fofinha? Já teve até "feedback" de alguns amigos, que estão curtindo (ou pelo menos, dizem que estão, por serem gentis, sabe-se lá). De qualquer forma, fico feliz. Gente, minha sobrinha Alexandra e o José Ronaldo (o maridão) estão indo para o Hawai amanhã. Que chique... Fizeram até aulas de surfe no Recreio para não darem muita pinta de turista na terra das grandes ondas. O Zé já fez todo o roteiro. Vão chegar lá sabendo mais sobre a terra do que os locais. Boa viagem, meus queridos! Fico satisfeita que eles possam curtir bastante a vida. Já estiveram em Portugal e na Espanha este ano. Aproveitaram para visitar minha filhota em Barcelona, é claro!

E já que o assunto é família, meu texto de hoje é ...

ASSUNTO DE FAMÍLIA

Sylvia Regina Marin

Mário Barroso se considera um homem justo. Casado há vinte e um anos com Lidiane, pai de um casal de adolescentes, está sempre atento às necessidades de sua própria família, assim como as da única irmã – desempregada, no momento – e as da mãe, viúva e já bem velhinha. Os sogros o veneram, não só pelo carinho com que trata a todos, mas pela maneira digna como conduz a vida.
O senso de justiça de Mário chega a ser irritante, às vezes, pela rigidez de suas idéias. Ele bem que poderia ser um pouco mais flexível, mas ninguém é perfeito. Bete, sua filha, costuma dizer:
- Papai - não tenho dúvidas - o Rei Salomão reencarnou em você.
Ele sorri orgulhoso. A ironia de Bete lhe soa como elogio, e a menina dá de ombros.
- Melhor assim – pensa – com tanta gente violenta no mundo, ter um pai como o meu é uma bênção.
Hoje, porém, alguma coisa estranha está acontecendo. Quando ele desce para o café da manhã, todos notam a fisionomia tensa e o vinco que se forma em sua testa sempre que algum problema grave o aflige. Não diz nada. Dá uma folheada rápida no jornal, bebe um gole de café e sai para o escritório. Um ponto de interrogação surge no olhar de cada um, mas todos respeitam o silêncio do chefe da casa.
Mário é dono de uma corretora de seguros. Está habituado a lidar com situações difíceis. Toma decisões rapidamente e é firme em suas atitudes. Por este motivo, é respeitado e admirado por funcionários e colaboradores. Pela primeira vez na vida, no entanto, ele hesita. Sabe que, ao entrar no escritório, a primeira pessoa a lhe dar bom-dia será Lúcia, a recepcionista: Lúcia, a moça pobre, que pega três conduções para chegar ao trabalho, que leva marmita de casa para economizar os vales-refeição, que foi admitida na empresa como faxineira e, por valor próprio, chegou onde está. Lúcia – ela mesma - é a razão de sua inquietude.
Nos últimos meses, Mário vem observando as olheiras profundas e o ar abatido da jovem. Por diversas vezes, lhe perguntou, com delicadeza, se ela estava passando por alguma dificuldade. Invariavelmente, sua resposta era:
- Nada não, dr. Barroso, é assunto de família.
No trabalho, Lúcia mantém-se eficiente. É atenciosa ao telefone, recebe os clientes com cortesia e passa todos os recados sem esquecer de nenhum detalhe. Mesmo assim, Mário não se sente confortável. Um dos lemas de sua administração à frente da empresa é exatamente o de que trabalhador competente é o que se sente satisfeito no ambiente de trabalho – daí o empenho em se mostrar solícito e disponível. Sente-se traído quando alguém do grupo tenta esconder algo que sua perspicácia já detectou.
- Será que Lúcia está grávida e tem vergonha de falar? – é o que lhe vem à cabeça.
Ontem chamou a auxiliar de serviços gerais, dona Severina, para conversar. Foi ela quem lhe apresentou Lúcia há dois anos.
- Dona Severina, se não me engano, quando Lúcia veio trabalhar conosco, a senhora me disse que ela era órfã de pai e mãe e não tinha nenhum outro parente. Isso é verdade?
- É, dr. Barroso, ela foi criada pela avó, que morreu há três anos.
- Ela tem namorado?
- Não senhor, é do trabalho para casa e da casa para a igreja. Nem amigos ela tem.
- Preste atenção, Severina, isto é muito sério. A senhora me garante que Lúcia não tem família, nenhum primo afastado, nada?
- Tenho certeza absoluta, dr. Barroso. Porque?
- Não posso lhe dizer agora, mas preciso ter uma conversa séria com essa menina amanhã de manhã.
Mário Barroso não admite mentiras. Ele se identifica integralmente com o personagem do livro “O Caçador de Pipas” que diz ao filho, no intuito de educá-lo, que “roubar é o único pecado que existe, e, quando uma pessoa mente, está roubando de alguém o direito de saber a verdade.” Ora, se Lúcia não tem família, nem namorado, porque o enganou, ao mencionar assuntos de uma família inexistente?
Mário não se conforma. Seu primeiro impulso é despedir a funcionária pecadora. Mas, durante a noite, com a cabeça fria, a dúvida se instala em seu coração. Afinal, ele não é um monstro e, para ser sincero, não existe nenhuma queixa profissional contra ela.
É com este confuso estado de espírito que abre a porta de vidro da corretora, às nove horas dessa manhã de inverno.
- Bom dia, dr. Barroso – apressa-se Lúcia, com o olhar melancólico.
- Venha à minha sala, por favor.
Lúcia treme. (O chefe não está com uma cara boa.)
O que acontece entre aquelas quatro paredes ninguém sabe. Não se ouve um suspiro do lado de fora. O clima, no escritório, fica pesado: tensão no ar. Uma hora depois, a moça sai com os olhos vermelhos – evidentemente, chorou. Retorna ao posto de trabalho. Funga um pouco de vez em quando, mas é visível que a alegria voltou ao seu semblante. Apesar da curiosidade, os colegas não se atrevem a fazer perguntas. E o expediente retoma o ritmo habitual. Durante o dia, sempre que Mário passa pela recepção, dá um aceno carinhoso para Lúcia e indaga:
- Tudo bem, minha filha?
Ela sorri em resposta.
Não me peçam para dizer o que houve lá dentro. Não sei. Eu não estava lá... Só sei que, nessa mesma noite, à mesa do jantar, Mário se dirige a Lidiane:
- Meu bem, você se importa que eu convide a Lúcia, nossa recepcionista, para passar o fim-de-semana conosco em Teresópolis? Ela é uma menina tão solitária, não tem família... Além do mais, você, Bete e Guto gostam tanto dela...
- É claro, querido. Faça isso. Engraçado, sempre penso na Lúcia quando recordo de nosso primeiro bebê, que perdemos. Eles teriam a mesma idade.
Mário abraça sua mulher com amor, e ficam assim abraçados durante alguns minutos. Uma lágrima de emoção rola pelo canto de seus olhos.

Março, 2008

quinta-feira, 27 de março de 2008

No sábado passado, saindo do shopping Iguatemi, vínhamos à noite por uma rua bem arborizada e um pouco escura, de carro, quando minha neta Bia saiu-se com esta: "Vovó, nosso planeta está muito sinistro!" Não quis alarmá-la, reconhecendo a verdade de sua constatação, já que a visão que ela tem sobre o assunto ainda é um tanto "verde" e não elaborada. Mas essas criaturinhas de quatro anos têm antenas, ligadas 24 horas. Os pirralhos falam sobre D. João VI e Carlota Joaquina com a maior naturalidade. No outro dia, eu estava lendo jornal e ela veio correndo me mostrar uma foto. "Olha só o retrato do Oscar Niemeyer! Vovó, você sabe que ele já tem 100 anos e ainda constrói edifícios?" Bem, tive de explicar que "construir" não é exatamente o que ele faz. Imagina, o pobre coitado carregando tijolo, pegando no pesado...
E já que o assunto é "criança", meu texto de hoje será leve como uma pluma. Espero que gostem!

LEVEZA

Sylvia Regina Marin

Hoje acordei leve. Dormi um sono gostoso... Lembro que a última coisa que fiz, antes de ir para a cama, foi dedilhar, ao piano, a “Rêve D´Amour”, de Lizst. Fez tão bem ao meu espírito... O lençol limpinho, a temperatura amena e meu amado se aconchegando em meus braços foram o complemento para que a mente entrasse em sintonia com a leveza da alma. Peguei no sono rapidamente.
Tive vários sonhos, mas o último deles é que ficou registrado na memória. Eu era uma pluma, que voava sem destino ao sabor do vento. Sobrevoei rios, montanhas, cidades, às vezes ia para a esquerda, às vezes para a direita. Não importava a rota. A sensação de liberdade e a alegria da aventura eram o mais importante. Flocos de nuvens apareciam em meu caminho e eu brincava com eles. O céu azul de outono imprimia uma luminosidade única que me deixava em êxtase. Voei, voei até cansar. E aí acordei – tão leve que parecia ter perdido uns dez quilos durante a noite.
De fato, ao abrir os olhos, tive a impressão de levitar. Que coisa boa! Tomei um banho morno, preparei um caprichado café-da-manhã e folheei o jornal. O anúncio de um programa de balé no Teatro Municipal me chamou a atenção. Aliás, isso é normal. Sou fascinada pelo mundo das sapatilhas. Mas, sabe que a pluma não saía da minha cabeça?
Saí rodopiando pela sala feito uma tonta. Meu amado, com a tolha de banho envolta no corpo, veio rindo pelo corredor:
- Amore mio, o que é isto? Você foi atacada pela síndrome de Copélia? Ou seria Gisele? Julieta? Odete?
- Nada disso. Sou uma pluma dançante. Conceda-me a honra de um “pas-de-deux”, meu príncipe.
- Ai, que a toalha vai cair e ainda sou capaz de pisar na pluma...
- Venha, tente... Escaparei dos seus desajeitados pés com a suavidade da minha essência. Entregue-se ao desvario de sua diáfana companheira.
Não deu para escapar. Caímos os dois no chão às gargalhadas. Há muito tempo não ríamos tanto.
Agora, estou aqui, dentro do carro, parada no sinal vermelho, rumo ao trabalho. Cantarolo baixinho, feliz da vida. O trânsito não me incomoda, o motoqueiro que quase arranca o espelho retrovisor do carro não me aborrece, a expectativa de ter de enfrentar a cara amarrada do meu chefe não me estressa. Sabe o que mais? Não vou permitir que invadam meu espaço. Toda vez que alguma coisa pesada tentar se aproximar de mim, vou me visualizar como uma pluma – ágil, escorregadia, veloz. Quero continuar a sentir esta sensação de leveza para sempre.
Será que vou conseguir?

Março de 2008

quinta-feira, 20 de março de 2008

Hoje é quinta-feira santa. Já se foi o tempo em que eu era obrigada pela família a fazer peregrinação pelas igrejas, para reverenciar o Cristo morto. Coisa fúnebre. Coisas de uma religião que dá valor à morbidez, ao sofrimento e à culpa para se chegar ao paraíso. Não tenho nada contra os praticantes e respeito a crença de cada um, mas, com o passar dos anos, fui levada a outros caminhos. Minha devoção se direciona para a Mãe Divina, a Natureza, meu eu superior, os espíritos iluminados que nos mostram nossos verdadeiros caminhos. Entrego, confio, aceito e agradeço. E vamos em frente!

O título do texto de hoje é FORROBODÓ. Alguns títulos poderão parecer estranhos, mas existe uma explicação. Um dos grupos de literatura do qual faço parte se chama Esquina Literária. A mentora do grupo, professora Lice Enderlein, sugere um tema a cada semana. A partir deste tema, cada pessoa do grupo escreve aquilo que lhe vier à cabeça, desde que se atenha ao assunto proposto. Saem coisas do arco da velha! Vejam o que criei para o "Forrobodó":

FORROBODÓ

Sylvia Regina Marin

Conheci Michael quando éramos ambos adolescentes, já faz muito tempo. Eu, brasileira da gema, uma mistura de raças bem balanceada, morena, exótica para os padrões europeus. Michael, um inglês típico, louro, alto, de olhos azuis, pele mais branca que a da Branca de Neve. Onde? Florença, o berço da cultura e da arte italiana.
Apreciávamos o David, de Michelangelo, na Accademia di Belle Arte: Michael, interessadíssimo nas curvas sinuosas da magnífica escultura em mármore. Eu, bem, examinava tudo de um modo geral, mas me detinha naquela parte anatômica protuberante da região inferior pélvica frontal, e me perguntava, mentalmente, se todos os homens seriam iguais. Neste momento, nos esbarramos. As pastas que eu carregava com meus desenhos se espalharam pelo chão – era folha para todo canto – e o rapaz, nervoso, corria de um lado para outro, a recolher tudo com estardalhaço: “Sorry, sorry!”
Não pude deixar de rir. Minha “vasta” experiência de vida apontava os ingleses como homens formais, sérios, sofisticados (coisas de garota que via muitos filmes sobre reis e rainhas). E Michael era o ser mais desengonçado com quem eu já tinha cruzado até então. Parecia ter mais pernas e braços do que qualquer outra pessoa. Mal pegava um desenho, já deixava cair o outro. Nesse balé “aloprado”, conseguiu juntar, de qualquer maneira, os papéis e me entregou tudo. Confesso que, embora pudesse tê-lo ajudado, não me mexi. A cena era divertida demais.
Nossa amizade começou nesse dia, e a mútua paixão pela pintura foi o ponto de partida para um relacionamento que durou um verão, e a vida toda. Línguas e culturas diversas não foram empecilho; pelo contrário, estimularam-nos a ir além, a fazer descobertas. A gente se entendia, mais ou menos, em italiano. Aprimorávamo-nos a cada dia e, com todos aqueles braços e pernas de Michael, as mímicas eram inevitáveis. Pouco a pouco, no entanto, ele começou a me parecer normal. A conversa fluía e ficávamos horas a falar sobre nossas famílias, nossos países, os planos para o futuro.
Uma tarde – lembro bem dessa tarde – estávamos sentados em um banco da Piazza Santa Maria Novella. Nossos olhos se encontraram e ficamos um tempo parados, sem dizer nada. Foi um momento perturbador. Senti que precisava contar a Michael um desejo que vinha tomando forma em minha mente havia alguns dias. Não era possível retroceder. Estava na hora.
- Michael – falei quase sem voz.
- Parla, bambina
- Io voglio vedere tuo pene.
Ele deu um pulo de susto. Era isso mesmo, eu estava decidida. Ia fazer dezesseis anos dali a alguns dias e ainda não sabia nada, nadinha, sobre os homens. As únicas partes íntimas que tinha visto eram as de David, ora. Queria ver o Michael nu para saber se “aquilo” dele era igual ao do David. Os braços e pernas extras de Michael começaram a aparecer novamente. Eu estava ficando tonta e gritei nervosa, em português mesmo:
- Pára com isso, vamos lá para casa. Mamãe saiu e vai demorar.
Fomos. Estávamos tão sem jeito... Pude perceber que ele era tão cru no assunto quanto eu. A gente olhava para o teto, para a parede, para o chão, menos para onde interessava. De lado, deu para sacar que o tamanho do dito cujo era o mesmo da estátua, nas suas devidas proporções, é claro. Afinal, o David tem cinco metros de altura. Liguei o rádio, sintonizei em uma música romântica e iniciamos umas acrobacias, mas em vão. Todas as tentativas de acabar com nossa virgindade foram frustradas.
Combinamos de continuar a exploração nos dias seguintes, isto é, sempre que fosse possível driblar a atenção de mamãe. A temporada de minha família em Florença ia terminar em duas semanas, portanto tínhamos pouco tempo. Mas que tempo bem aproveitado... Michael se revelou, seu instrumento principal dobrou de tamanho, e, juntos, fomos nos ajeitando, nos encaixando e desabrochamos para o fantástico e perigoso mundo dos adultos.
Jamais esquecerei aquele verão. Na véspera da partida, Michael teve uma idéia que me pareceu bem charmosa. Ele ia procurar uma palavra em português que fosse bonita, vibrante, e me chamaria assim para sempre. Eu faria o mesmo, mas em inglês. O que importava era a sonoridade e não o sentido da palavra. Não precisei pensar muito. Ela veio logo à minha cabeça: Bubble. Não é bonitinha?
Quase na hora da partida, Michael chegou ao aeroporto, esbaforido, vermelho de excitação. Tinha passado a noite em claro, mas encontrou a palavra certa. De longe, ele gritava: Fo – ro – bou – dóu. Dei uma gargalhada. Podia esperar tudo, menos isso.
Nossa amizade continua até hoje. Mas meu apelido, é óbvio, não pegou. Em compensação, toda vez que as famílias se encontram, meus filhos me cutucam:
- Mãe, lá vem o Forrobodó!

Janeiro de 2008

segunda-feira, 17 de março de 2008

Dei algum comando esdrúxulo e o texto ROUPA SUJA ficou todo centralizado. Não reparem, sim?
Minha terapeuta é formidável. Cheguei hoje lá com toda convicção e ela me mostrou, com uma habilidade e inteligência inegáveis, que minha transmutação está praticamente feita. Falta uma pontinha, mas é preciso insistir um pouco mais. Esse tal de inconsciente briga o tempo todo com meu lado fortemente racional, mas vou resolver esse caso, custe o que custar. Estou chegando lá. Este fim-de-semana fiz coisas que foram um bálsamo para o espírito. No sábado, assisti, no canal GNT, a um filme intitulado Bethânia é Perfume: lindo, magnetizante, emocionante, como só Maria Bethânia sabe ser. No domingo fui ao Unibanco Arteplex ver "Na Natureza Selvagem", filme dirigido pelo Sean Penn. Imperdível! De uma beleza plástica, uma sensibilidade... Fiquei arrepiada.

Aí vai mais um textinho:

ROUPA SUJA

Estranhos são os caminhos do amor; mas, como dizem que “toda forma de amar vale a pena”, penso que o fundamental nas relações humanas seja a tolerância – aceitar o outro assim mesmo, como ele é, sem tentar modificá-lo. É nessa extrema capacidade de compaixão que reside a força maior, a que faz unir as pessoas e transcender as diferenças.
Este tipo de pensamento me vem à mente sempre que relembro a infância – em particular, os períodos de férias passados na fazenda de minha avó em Minas Gerais. Vovó Sinhá era aquela típica velhinha dos contos de fadas: gorda, com seios fartos, cabelos brancos presos em um coque, cheirosa como ela só. Seu imenso coração tinha lugar para todos os nove netos, que corriam e falavam ao mesmo tempo, exigiam sua atenção e faziam piruetas à sua volta. Não sei como ela não perdia o equilíbrio. Preparava doces memoráveis e sabia exatamente qual o predileto de cada um de nós. À noite, após o jantar, exaustos de tanto brincar, nós lhe pedíamos:
- Vovó, conta uma história...
Ela sabia, ou inventava (quem sabe?) muitas, todas do “tempo em que os bichos falavam”. Depois cantava canções de ninar e, aos poucos - os menores primeiro - íamos dormindo, um a um, e sonhávamos com fadas, castelos, coelhinhos saltitantes, leões ferozes e caçadores valentes – uma festa!
A doçura de vovó contrastava com o azedume crônico de sua irmã mais velha. Incrível como duas pessoas, filhas da mesma mãe e do mesmo pai (presume-se), tinham temperamentos tão diferentes. Tia Virgínia se juntava ao nosso grupo, invariavelmente, todo mês de julho. Levava os três netos, o que só nos enchia de mais alegria; mas, ela própria, reclamava de tudo - o tempo todo.
Se gritávamos muito, a cabeça lhe doía; se ficávamos quietos, alguma coisa terrível estávamos aprontando; se fazia sol, o calor lhe incomodava; se chovia, a umidade penetrava em seus ossos; não suportava os doces de vovó, que a faziam engordar; as histórias de toda noite eram “bobas e sem nexo”. A fantasia, para ela, não tinha sentido algum. O que importava era a “cruel” realidade da vida.
- Perda de tempo essa coisa de bichinhos que falam – ensinava. Temos de mostrar a estas crianças a maldade e a falsidade de que os homens são capazes.
Vovó tentava apaziguar a irmã com palavras doces.
- Deixe os meninos sonharem, meu bem, eles têm muito tempo pela frente para amadurecer. Aproveitemos ao máximo a pureza de sua inocência.
Era tocante ver o carinho com que vovó Sinhá tratava tia Virgínia. Suas rabugices não a incomodavam nem um pouco. Acho, inclusive, que ela sentia pena da irmã por perder o melhor da vida com reclamações que não a levavam a lugar nenhum, nem lhe faziam melhorar o humor. Será que ela tinha sido sempre assim – desde pequena? Ou alguma coisa aconteceu em sua juventude que a tornou amarga para sempre? Não fiz essas perguntas no momento certo. Agora não há como voltar atrás: elas estão sem respostas.
O fato é que, apesar de aparentar o contrário, tia Virgínia tinha adoração por seus netos. Quanto aos sobrinhos-netos, bem, aí já era querer demais: ela nos aturava da melhor forma que conseguia, o que não significava grande coisa para nós. Aliás, justamente por isso, fazíamos tudo para atormentá-la. Era diversão garantida!
No ano em que completei dez anos, estávamos todos reunidos na fazenda quando, três dias antes do meu aniversário, vovô Roberto nos chamou e fez uma proposta.
- Criançada, que tal fazermos um acampamento do outro lado da colina, perto do riacho? A gente sai amanhã de manhã, bem cedinho, e volta daqui a três dias. Levamos os cavalos, comida e água, e deixamos Sinhá e Virgínia fazendo os preparativos para a festa de Clarinha.
Nem é preciso dizer que a excitação não nos deixou dormir naquela noite. Acampar com vovô era o que mais gostávamos de fazer na época. Ficávamos totalmente livres, tomávamos banho no riacho, caçávamos passarinhos, corríamos atrás dos esquilos, enfim, não tínhamos nenhuma obrigação. Era só brincar.
Vovó e tia Virgínia aproveitavam também para descansar da confusão e do barulho que doze crianças juntas podem promover. Colocavam as fofocas em dia e relembravam a própria juventude. Há quem tenha visto até tia Virgínia enxugar furtivas lágrimas de saudade dos netos, nessas ocasiões.
Nesse ano específico, tudo ficou muito marcado na minha lembrança. Os ritos de passagem, a cada década, eram tradição de família. E eu, afinal, já teria direito a ganhar meu primeiro relógio de pulso, a tomar uma taça de vinho (com água e açúcar, é bem verdade) durante a festa, e a ter um cavalo só para mim, pelo qual seria responsável dali para a frente.
Os empregados da fazenda se esmeravam nos preparativos e ajudavam as duas velhas senhoras com a decoração e as iguarias. Meus pais e tios eram esperados a qualquer hora. Enquanto isso, no acampamento, esbanjávamos nossa energia de tal forma que, à noite, praticamente caíamos desmaiados de tanto cansaço – aquele cansaço bom, de quem é livre, despreocupado, de bem com a vida.
Enfim, chegou o dia de voltar. Ninguém ficou triste dessa vez. Sabíamos que uma grande festa nos aguardava e que toda a família estaria na fazenda para nos receber. Galopamos com vontade, o vento frio de julho a bater em nossos rostos, apostando para ver quem chegava primeiro.
O barulho que fazíamos, pode-se supor, sinalizou nossa chegada bem antes de o fato se consumar. Vieram todos para a varanda. De longe, víamos os braços levantados a acenar e imaginávamos os gritinhos de alegria do pessoal. Até tia Virgínia, que tanto reclamava do barulho, chegou a ensaiar um sorriso ao ver os netos queridos.
Quando, finalmente, apeamos das montarias, depois dos abraços e beijos, só o que ouvíamos eram expressões exclamativas:
- Parabéns, Clarinha!
- Meu filho, como você está forte!
- Verinha, você parece uma índia de tão morena!
- Cláudio, como estás imundo, meu lindo!
- Venham cá, meus amores, que saudade!
De repente, uma coisa me chamou a atenção no meio do alvoroço. Era tia Virgínia, que já tinha apanhado as mochilas de seus netos, e nos brindava com sua voz ranzinza:
- Ah, meu Deus! Quanta roupa suja!

Fevereiro de 2008