terça-feira, 16 de setembro de 2008

BURRO! BURRO!

Sylvia Regina Marin

Eram nove horas da noite quando cheguei em casa naquela quarta-feira. Estava exausta. Parece que todos os problemas do mundo tinham resolvido cair na minha cabeça ao mesmo tempo, vindos de todos os lados. O escritório era uma ebulição só. É claro que me estressei com meu chefe e quase o demiti. Epa! Acho que não foi bem assim. Ah! Não sei mais de nada. Lembro de ter descontado minha raiva na secretária – isso eu fiz! (paciência – no dia seguinte, pedi desculpas). O fato é que, enfim, consegui abrir a porta e entrar em meu apartamento.
Nunca antes tinha ficado tão feliz com uma viagem a negócios de Alfredo. (Há horas em que tudo que a gente não quer é um marido para dar atenção; se bem que uma massagenzinha nas costas teria sido providencial...) Tomei um banho morno, gostoso, e aproveitei para acariciar minha pele, merecedora que estava de um toque amoroso. Enrolei-me em um felpudo roupão cor-de-rosa e, em segundos, me senti a própria Cinderela – depois do matrimônio, é lógico – em seu palácio de cristal. É, já deu para notar que eu não estava “funcionando” direito, não é? Positivamente, o palácio da Cinderela não era de cristal: isto tinha a ver com o sapatinho.
Sapatinho... príncipe... fada-madrinha... Caí no sono. Desmaiei. Perdi a noção das coisas. As luzes ficaram acesas, a televisão ligada e, graças a Deus, o gás em off. De repente, o susto... Acordei com uma sensação de embriaguez, como se meu corpo astral estivesse bem distante do corpo físico naquele momento, e o retorno ao seu lugar de origem ocasionasse um choque assombroso.
Um clamor parecia sair das entranhas da terra. Olhei em volta. Havia uma energia densa no ar e só então me dei conta de que várias vozes ao meu redor gritavam: “Burro! Burro!” Meio atônita, percebi que os gritos vinham da rua e, certamente, não eram dirigidos à minha pessoa. Voltei a atenção para o aparelho de TV. Não acreditei no que vi: então, todo aquele barulho tinha como causa o jogo de futebol do Brasil contra a Bolívia? Era o Dunga que estava sendo xingado? Também o que se pode esperar de uma pessoa cujo apelido é Dunga? Não, eu não disse isso. Esqueçam. Deve haver uma razão justa para o apelido. Minha mãe me ensinou a ter tolerância e compaixão, e nunca fazer julgamentos. Mas Dunga...
- Burro! Burro!
O povo continuou a destilar seu ódio por um bom tempo. Aos poucos, porém, os ânimos se acalmaram, os sons foram ficando mais fracos e, durante a madrugada, o silêncio era total. Os cachorros pararam de latir. Tive a impressão de que os vizinhos pegaram no sono “numa boa”. Todos, menos eu. Bem que tentei trazer de volta o sonho de conto de fadas, mas não houve jeito, nem Lexotan, respiração tântrica, ou dança do elefantinho que me fizessem retomar o repouso abençoado. A alternativa foi pensar na vida.
- Burro? – indaguei a mim mesma. O Dunga? - tive um acesso de riso. Como somos tolos! O homem está bem de vida, tem uma casa confortável, trabalha no que gosta, mantém o corpo são e a mente idem, dorme como um anjinho (suponho), viaja um bocado às custas da gente, e ele é que é o burro?
Não quero ofender ninguém, mas sabem o que eu acho?
- Burros... somos nós!

Setembro de 2008

2 comentários:

Beth/Lilás disse...

Oieeeee!
Li o texto com a boca meio aberta num sorriso. Isto significa que seu bom humor está de volta e que o que escreve reflete diretamente como você está.
Amei esse texto!
Fico pensando se o Dunga tivesse êxito com a seleção se a gente até não acharia este apelido dele bonitinho até!
muitos beijinhos e um excelente dia.

Sylvia Regina Marin disse...

Oi Bethinha,
Que bom que você me visitou. Você está cada vez mais linda, mulher! Suas fotos estão maravilhosas. Você observou bem. Estou mesmo emergindo de uma longa e tenebrosa queda livre. Uau! Dizem os entendidos que, para a gente transmutar, precisa conhecer o caos. Agora sei que é verdade.
Beijinhos.
Sylvia