BURRO! BURRO!
Sylvia Regina Marin
Eram nove horas da noite quando cheguei em casa naquela quarta-feira. Estava exausta. Parece que todos os problemas do mundo tinham resolvido cair na minha cabeça ao mesmo tempo, vindos de todos os lados. O escritório era uma ebulição só. É claro que me estressei com meu chefe e quase o demiti. Epa! Acho que não foi bem assim. Ah! Não sei mais de nada. Lembro de ter descontado minha raiva na secretária – isso eu fiz! (paciência – no dia seguinte, pedi desculpas). O fato é que, enfim, consegui abrir a porta e entrar em meu apartamento.
Nunca antes tinha ficado tão feliz com uma viagem a negócios de Alfredo. (Há horas em que tudo que a gente não quer é um marido para dar atenção; se bem que uma massagenzinha nas costas teria sido providencial...) Tomei um banho morno, gostoso, e aproveitei para acariciar minha pele, merecedora que estava de um toque amoroso. Enrolei-me em um felpudo roupão cor-de-rosa e, em segundos, me senti a própria Cinderela – depois do matrimônio, é lógico – em seu palácio de cristal. É, já deu para notar que eu não estava “funcionando” direito, não é? Positivamente, o palácio da Cinderela não era de cristal: isto tinha a ver com o sapatinho.
Sapatinho... príncipe... fada-madrinha... Caí no sono. Desmaiei. Perdi a noção das coisas. As luzes ficaram acesas, a televisão ligada e, graças a Deus, o gás em off. De repente, o susto... Acordei com uma sensação de embriaguez, como se meu corpo astral estivesse bem distante do corpo físico naquele momento, e o retorno ao seu lugar de origem ocasionasse um choque assombroso.
Um clamor parecia sair das entranhas da terra. Olhei em volta. Havia uma energia densa no ar e só então me dei conta de que várias vozes ao meu redor gritavam: “Burro! Burro!” Meio atônita, percebi que os gritos vinham da rua e, certamente, não eram dirigidos à minha pessoa. Voltei a atenção para o aparelho de TV. Não acreditei no que vi: então, todo aquele barulho tinha como causa o jogo de futebol do Brasil contra a Bolívia? Era o Dunga que estava sendo xingado? Também o que se pode esperar de uma pessoa cujo apelido é Dunga? Não, eu não disse isso. Esqueçam. Deve haver uma razão justa para o apelido. Minha mãe me ensinou a ter tolerância e compaixão, e nunca fazer julgamentos. Mas Dunga...
- Burro! Burro!
O povo continuou a destilar seu ódio por um bom tempo. Aos poucos, porém, os ânimos se acalmaram, os sons foram ficando mais fracos e, durante a madrugada, o silêncio era total. Os cachorros pararam de latir. Tive a impressão de que os vizinhos pegaram no sono “numa boa”. Todos, menos eu. Bem que tentei trazer de volta o sonho de conto de fadas, mas não houve jeito, nem Lexotan, respiração tântrica, ou dança do elefantinho que me fizessem retomar o repouso abençoado. A alternativa foi pensar na vida.
- Burro? – indaguei a mim mesma. O Dunga? - tive um acesso de riso. Como somos tolos! O homem está bem de vida, tem uma casa confortável, trabalha no que gosta, mantém o corpo são e a mente idem, dorme como um anjinho (suponho), viaja um bocado às custas da gente, e ele é que é o burro?
Não quero ofender ninguém, mas sabem o que eu acho?
- Burros... somos nós!
Setembro de 2008
terça-feira, 16 de setembro de 2008
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2 comentários:
Oieeeee!
Li o texto com a boca meio aberta num sorriso. Isto significa que seu bom humor está de volta e que o que escreve reflete diretamente como você está.
Amei esse texto!
Fico pensando se o Dunga tivesse êxito com a seleção se a gente até não acharia este apelido dele bonitinho até!
muitos beijinhos e um excelente dia.
Oi Bethinha,
Que bom que você me visitou. Você está cada vez mais linda, mulher! Suas fotos estão maravilhosas. Você observou bem. Estou mesmo emergindo de uma longa e tenebrosa queda livre. Uau! Dizem os entendidos que, para a gente transmutar, precisa conhecer o caos. Agora sei que é verdade.
Beijinhos.
Sylvia
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