segunda-feira, 1 de setembro de 2008

A ATA E A BORBOLETA

Sylvia Regina Marin

Aparentemente, seria uma quarta-feira como outra qualquer – meio da semana, pessoas indo e vindo de seu cotidiano de horas marcadas, de tarefas por cumprir, de sonhos a realizar.
Da janela de meu apartamento, eu podia observar o movimento na rua – carros, gente, micos que pulavam de galho em galho na árvore mais alta da calçada e, suprema alegria! uma borboleta azul, que abria e fechava as asas para mim. É estranho, mas era exatamente esta a impressão que eu tinha: a borboleta queria se comunicar comigo.
Privada, por tempo determinado, do meu direito de ir e vir para onde bem entendesse, por conta de um acidente doméstico, eu dava “tratos à bola”; e posso dizer, com segurança, que, naquela quarta-feira, o que não pude ver com os olhos da face, nem ouvir, com os ouvidos que herdei por merecimento, vi e ouvi através da imaginação, com a abençoada ajuda da pequena borboleta azul.
Pois não tive outra saída. Minha reunião favorita estava para começar, a vários quilômetros de distância do local onde me encontrava; e eu ali, com o pé enfaixado, imobilizada pela providência divina.
- Pelo meu poder mental – exclamei – determino que você, borboleta azul, seja minha representante. Vá, preste bastante atenção e volte para me contar!
De início, confesso que tive pena da pobrezinha que, com tão pouco tempo para aproveitar a vida, precisaria se desincumbir da pesada tarefa de voar até Copacabana e depois fazer o trajeto de volta, em meio ao tráfego de pirilampos, mariposas, marimbondos e nem posso imaginar mais o que. Sim, seria estressante! Mas, se ela aceitou ...
Aguardei ansiosa. Será que os participantes perceberiam que eu estava presente? Sentiriam minha energia no ar? Veriam a borboleta batendo suas asas para lá e para cá, no afã de captar o que estava sendo dito? Tudo isso passava pela minha cabeça, enquanto aguardava a volta de minha pequena amiga.
O tempo de espera foi longo e quando, finalmente, a borboleta azul chegou, quase morri de remorso. Ela estava um “caco”. Não vi a hora em que ela nasceu; portanto, não sabia quanto tempo de vida ainda lhe restava. Será que eu tinha abusado do direito de ser intelectualmente mais poderosa? Bem, não me restava mais nada a não ser lamentar - o que estava feito, estava feito.
Esperei algum tempo, até que sua respiração voltasse ao normal, e fomos aos fatos. É natural que nossa comunicação tenha se dado de forma telepática, mas nem por isso foi menos eloqüente.
- Imagine você – ela me disse – que todos os convidados chegaram juntos. Quando a dona da casa abriu a porta, às dezoito horas em ponto, eles estavam no hall, de braços abertos. Desculpe se não reproduzo literalmente o que ouvi. É que falavam ao mesmo tempo: “Mamma mia”, “nonna My”, “carpaccio”, sei lá, uma língua esquisita. Havia um único macho para várias fêmeas e, obviamente, um clima de disputa se fazia sentir. Elas borboleteavam em volta dele, de maneira que precisei desviar minha rota em diversas ocasiões. Não gostei de competir com as humanas. Não foi justo. Afinal, “borboletear” é uma característica da minha personalidade. Atordoada, cheguei a perder algumas palavras. Perdoe-me. Entretanto, estou segura de ter captado a essência do que ali se passou. Mônica Bellucci, por exemplo, fez uma performance extraordinária a partir de um texto de sua autoria – uma verdadeira diva. Emanuelante Alighieri declamou vários poemas, em que abordava temas profundos como o “Inferno” e o “Espelho” – adorei! Lydianna Mangano surpreendeu a todos com a leitura dramatizada de uma peça teatral, na qual encarnava todos os personagens – atuação fulminante! Mydonna, a anfitriã, absolutamente encantada com o talento de seus convivas, curvou-se a seus pés. Para homenageá-los, entoou uma bela canção de seu repertório: Like a Virgin! Calorosas palmas ainda se ouviam no momento em que decidi regressar. Já quase chegava à esquina, quando, ao longe, ouvi um trecho de Madame Butterfly. Teria sido impressão minha ou o grupo estava fazendo uma sutil homenagem a este ser alado que lhe fala?
- Ah, borboleta azul! Delirante ou não, sua descrição dos acontecimentos fez muito bem ao meu espírito. Ouso supor que jamais haverá outra quarta-feira igual a esta!

(Ata de uma reunião da OLDI*, realizada em 20 de agosto de 2008, à qual não pude comparecer)

Agosto, 2008


* OLDI é a sigla para Oficina Literária Democrática e Independente, nome dado aos encontros quinzenais de um grupo de amigos que escreve, fala e gargalha muito. As reuniões são realizadas em Copacabana, na casa de Myriam (napolitana de nascimento, carioca de coração). A esta reunião específica só puderam comparecer três participantes: Mônica, Manoel e Lydia, além da anfitriã, naturalmente.

2 comentários:

Beth/Lilás disse...

Esta saída via borboleta azul é boa, acalenta a alma.

Falando em encontros literários, será que você, antenada do jeito que é, saberia me dizer se tem algum curso de redação aqui por Nikiti? Talvez na UFF?
Se souber de algo, mande-me por email, ok.

super beijo amiga

Beth/Lilás disse...

Sylvinhaaa!
Tudo bem por aí, querida? Espero que sim.

Venho te convidar a participar de comentários numblog de uma amiga virtual bacana e inteligente como você.
Leia os dois últimos posts dela e comente lá, você vai gostar.

O blog dela é:
http://borboletapequeninanasuecia.blogspot.com/

Fica com Deus e na paz.
beijão.