segunda-feira, 18 de agosto de 2008

PINGO DE DOCE DE LEITE

Sylvia Regina Marin

Hoje estou triste. Sei que vai passar, mas, enquanto espero, continuo triste.
Pombas! O dia está lindo, ouço os pássaros que cantam na árvore defronte à minha janela, a temperatura está agradável, estou com a saúde perfeita... Meus olhos vêem, os ouvidos escutam e os odores são captados com exatidão por minhas narinas. Ah! sim, almocei muito bem e acabei de saborear uma deliciosa xícara de café – de onde se conclui que meu paladar consegue captar os diferentes sabores que lhe são apresentados. O coração bate forte. As Olimpíadas me emocionam – como sofri quando o Diego caiu de bunda! Como Ricardo e Emanuel me fazem vibrar! E o Cielo? – nosso novo herói!
Pois é, mas está faltando uma coisa. Sabe aquele toque que faz a gente se arrepiar todinha? - que deixa o coração a disparar e a boca ficar seca? Aquele abraço apertado que faz o corpo aquecer e a gente imaginar que vai explodir? Não precisa ser Brad Pitt ou George Clooney, mas um homem forte, com uma boa pegada, era tudo que eu precisava agora. Não uma pessoa qualquer, um encontro fugaz, um amante de ocasião – mas um bom exemplar de macho, raro hoje em dia, com um invólucro de doçura, de palavra meiga, que topasse explorar comigo os caminhos do corpo e do espírito. E que essa aventura não tivesse tempo para terminar, nem local, nem destino certo. Corpos etéreos sintonizados – em um universo paralelo, talvez. Mas com a pegada firme, disso não abro mão.
Que tal? Alguém se apresenta? Organizemos a fila. Não gosto de balbúrdia. Que venham somente aqueles que se encaixam no perfil traçado. Serão poucos, com certeza. Sei que terei de ser flexível, aceitando um ajuste aqui, outro ali. Não faz mal. A vida me ensinou que adaptações são sempre necessárias. Uma condição apenas eu imponho: os lábios devem ter o sabor de um pingo de doce de leite.
É só disso que eu preciso hoje.

Agosto de 2008

terça-feira, 12 de agosto de 2008

Queridos Amigos,
Sinto ter deixado meus "inúmeros" fãs na mão. Andei afastada das letras, o que me deixou muito triste. Minha vida deu uma reviravolta, o que, às vezes, é bom para driblar a monotonia. No meu caso, já que nunca tive uma vida monótona, serviu para provar que o caos existe. Não dá para contar tudo que passei nos últimos tempos. Daria um livro. Enfim, sobrevivi e ainda estou lutando. E hoje, véspera de uma reunião literária a qual não posso faltar, fiz um pequeno texto com um certo medo de ter perdido a forma. A Bia entrou e saiu diversas vezes do meu escritório para mostrar os brinquedos que ela estava separando para levar para a casa de uma amiguinha que comemora, amanhã, o aniversário de uma boneca. No meio dessa confusão, foi isso que saiu.
Beijos para todos.

CHEIRO NO AR, MACONHA NO BAR

Sylvia Regina Marin

Francisca era uma mulher altiva. Tinha estilo, como comentavam os vizinhos. Não se sabe como veio parar naquela espelunca tão no fim do mundo. As más línguas diziam que ela foi rica quando jovem. Era poderosa, dona de mansão com piscina, quadra de tênis e sabe-se lá o que mais. Parece que o marido era viciado em drogas e “torrou” a fortuna da família para sustentar o vício. História triste.
O fato é que ela apareceu naquele cantão longínquo, em uma manhã de inverno, e se instalou em um dos cômodos da casa comunitária que abrigava todo tipo de gente. O porte de Francisca chamava atenção. Ela tentava manter a dignidade apesar da sujeira e das precárias condições que a cercavam. E o povo, é claro, fazia mesuras quando ela passava. Era conhecida no pedaço como Condessa Chica.
Do outro lado da rua, bem em frente à janela do quarto de Francisca, ficava o bar. Por mais pobre que seja o bairro, há sempre um bar que reúne quem está alegre a quem está triste. A bebida serve para ambos os casos. Era nesse local que os adolescentes se juntavam para a roda de fumo. Toda noite.
Francisca passava a madrugada tossindo. Não suportava aquele cheiro, que a deixava enjoada e com a respiração ofegante – alergia antiga, mal curada. Um dia ela decidiu ir à polícia para dar queixa dos rapazes. Os policiais riram dela:
- Ora, madame, a senhora pensa que está aonde? Tem sorte que os meninos “pegam leve”. Podia ser pior, sabia?
Ela sabia. Mas não desistiu. Decidiu ir ao bar conversar com os garotos. Até que eles eram simpáticos, mais do que poderia supor. Não eram os marginais arrogantes que ela imaginava. E não é que Francisca começou a gostar daquela turma? Eles não riam dela, de sua maneira de ser. Tratavam-na de igual para igual, com respeito. Aos poucos, ela se afeiçoou a eles. Não demorou muito e um dia Manduca, o líder do grupo, lhe fez a proposta:
- Tia, experimenta unzinho.
Francisca não resistiu ao jeito sedutor de Manduca. Experimentou. Tossiu um pouco, mas foi em frente. E, desse jeito, ela passou a fazer parte da turma da fumaça. A alergia? Vejam vocês, nem lembra mais que um dia existiu. Encontrou seu lugar no pedaço de mundo que a ela estava destinado.
Hoje, quando sente o cheiro característico no ar, já sabe. Está na hora.

Agosto de 2008