quinta-feira, 27 de março de 2008

No sábado passado, saindo do shopping Iguatemi, vínhamos à noite por uma rua bem arborizada e um pouco escura, de carro, quando minha neta Bia saiu-se com esta: "Vovó, nosso planeta está muito sinistro!" Não quis alarmá-la, reconhecendo a verdade de sua constatação, já que a visão que ela tem sobre o assunto ainda é um tanto "verde" e não elaborada. Mas essas criaturinhas de quatro anos têm antenas, ligadas 24 horas. Os pirralhos falam sobre D. João VI e Carlota Joaquina com a maior naturalidade. No outro dia, eu estava lendo jornal e ela veio correndo me mostrar uma foto. "Olha só o retrato do Oscar Niemeyer! Vovó, você sabe que ele já tem 100 anos e ainda constrói edifícios?" Bem, tive de explicar que "construir" não é exatamente o que ele faz. Imagina, o pobre coitado carregando tijolo, pegando no pesado...
E já que o assunto é "criança", meu texto de hoje será leve como uma pluma. Espero que gostem!

LEVEZA

Sylvia Regina Marin

Hoje acordei leve. Dormi um sono gostoso... Lembro que a última coisa que fiz, antes de ir para a cama, foi dedilhar, ao piano, a “Rêve D´Amour”, de Lizst. Fez tão bem ao meu espírito... O lençol limpinho, a temperatura amena e meu amado se aconchegando em meus braços foram o complemento para que a mente entrasse em sintonia com a leveza da alma. Peguei no sono rapidamente.
Tive vários sonhos, mas o último deles é que ficou registrado na memória. Eu era uma pluma, que voava sem destino ao sabor do vento. Sobrevoei rios, montanhas, cidades, às vezes ia para a esquerda, às vezes para a direita. Não importava a rota. A sensação de liberdade e a alegria da aventura eram o mais importante. Flocos de nuvens apareciam em meu caminho e eu brincava com eles. O céu azul de outono imprimia uma luminosidade única que me deixava em êxtase. Voei, voei até cansar. E aí acordei – tão leve que parecia ter perdido uns dez quilos durante a noite.
De fato, ao abrir os olhos, tive a impressão de levitar. Que coisa boa! Tomei um banho morno, preparei um caprichado café-da-manhã e folheei o jornal. O anúncio de um programa de balé no Teatro Municipal me chamou a atenção. Aliás, isso é normal. Sou fascinada pelo mundo das sapatilhas. Mas, sabe que a pluma não saía da minha cabeça?
Saí rodopiando pela sala feito uma tonta. Meu amado, com a tolha de banho envolta no corpo, veio rindo pelo corredor:
- Amore mio, o que é isto? Você foi atacada pela síndrome de Copélia? Ou seria Gisele? Julieta? Odete?
- Nada disso. Sou uma pluma dançante. Conceda-me a honra de um “pas-de-deux”, meu príncipe.
- Ai, que a toalha vai cair e ainda sou capaz de pisar na pluma...
- Venha, tente... Escaparei dos seus desajeitados pés com a suavidade da minha essência. Entregue-se ao desvario de sua diáfana companheira.
Não deu para escapar. Caímos os dois no chão às gargalhadas. Há muito tempo não ríamos tanto.
Agora, estou aqui, dentro do carro, parada no sinal vermelho, rumo ao trabalho. Cantarolo baixinho, feliz da vida. O trânsito não me incomoda, o motoqueiro que quase arranca o espelho retrovisor do carro não me aborrece, a expectativa de ter de enfrentar a cara amarrada do meu chefe não me estressa. Sabe o que mais? Não vou permitir que invadam meu espaço. Toda vez que alguma coisa pesada tentar se aproximar de mim, vou me visualizar como uma pluma – ágil, escorregadia, veloz. Quero continuar a sentir esta sensação de leveza para sempre.
Será que vou conseguir?

Março de 2008

4 comentários:

Anônimo disse...

Muito legal, sentir como sua neta é ligada mesmo, me peregunto, como pode uma criançinha reconhecer Oscar N. e identificar o que ele faz. É d+.
Quanto ao texto, é ótimo quando sacamos que tudo pode ser leve, que nós é que criamos obstáculos e que se nos conectarmos com Deus, tudo fica muito.....muito mais fácil.
Beijos no coração.
Cacilda

Beth/Lilás disse...

Menina, mas esta garotinha tá ficando igualzinha mesmo à vó!
Ixperta ela!

Amei a leveza do conto! Foi bom para terminar a noite, pois estava bem cansada e após esta leitura foi um bom relax.

Beijinhos para as duas garotas "ixpertas".

Sylvia Regina Marin disse...

Linda Cacilda,
É muito bom receber sua visita aqui. Não repare se sou meio babona com a netinha. Acho que isso é mal de toda avó. Falo menos do meu neto, porque ele mora longe e não tenho o contato diário que tenho com a Bia, que mora comigo. O Lucas, na verdade, não é neto de sangue, é do coração. Ele é enteado do meu filho Paulo Eduardo. Quando Paulinho e Eliane resolveram casar, perguntei ao Lucas se ele me aceitava como avó. Ele disse que sim, mas já tinha se habituado a me chamar de tia Sylvia, e assim ficou. Mas tenho o maior orgulho de chamá-lo de neto. Ele é um "barato".
Beijos.
Sylvia

Sylvia Regina Marin disse...

Minha querida Beth,
Somos garotas espertas e super-poderosas, você não acha?
Haja energia para acompanhar o ritmo da fofinha...
Beijos.
Sylvia