segunda-feira, 31 de março de 2008

Minha irmã Berê acabou de me avisar que andou divulgando meu blog entre os amigos dela. Não é fofinha? Já teve até "feedback" de alguns amigos, que estão curtindo (ou pelo menos, dizem que estão, por serem gentis, sabe-se lá). De qualquer forma, fico feliz. Gente, minha sobrinha Alexandra e o José Ronaldo (o maridão) estão indo para o Hawai amanhã. Que chique... Fizeram até aulas de surfe no Recreio para não darem muita pinta de turista na terra das grandes ondas. O Zé já fez todo o roteiro. Vão chegar lá sabendo mais sobre a terra do que os locais. Boa viagem, meus queridos! Fico satisfeita que eles possam curtir bastante a vida. Já estiveram em Portugal e na Espanha este ano. Aproveitaram para visitar minha filhota em Barcelona, é claro!

E já que o assunto é família, meu texto de hoje é ...

ASSUNTO DE FAMÍLIA

Sylvia Regina Marin

Mário Barroso se considera um homem justo. Casado há vinte e um anos com Lidiane, pai de um casal de adolescentes, está sempre atento às necessidades de sua própria família, assim como as da única irmã – desempregada, no momento – e as da mãe, viúva e já bem velhinha. Os sogros o veneram, não só pelo carinho com que trata a todos, mas pela maneira digna como conduz a vida.
O senso de justiça de Mário chega a ser irritante, às vezes, pela rigidez de suas idéias. Ele bem que poderia ser um pouco mais flexível, mas ninguém é perfeito. Bete, sua filha, costuma dizer:
- Papai - não tenho dúvidas - o Rei Salomão reencarnou em você.
Ele sorri orgulhoso. A ironia de Bete lhe soa como elogio, e a menina dá de ombros.
- Melhor assim – pensa – com tanta gente violenta no mundo, ter um pai como o meu é uma bênção.
Hoje, porém, alguma coisa estranha está acontecendo. Quando ele desce para o café da manhã, todos notam a fisionomia tensa e o vinco que se forma em sua testa sempre que algum problema grave o aflige. Não diz nada. Dá uma folheada rápida no jornal, bebe um gole de café e sai para o escritório. Um ponto de interrogação surge no olhar de cada um, mas todos respeitam o silêncio do chefe da casa.
Mário é dono de uma corretora de seguros. Está habituado a lidar com situações difíceis. Toma decisões rapidamente e é firme em suas atitudes. Por este motivo, é respeitado e admirado por funcionários e colaboradores. Pela primeira vez na vida, no entanto, ele hesita. Sabe que, ao entrar no escritório, a primeira pessoa a lhe dar bom-dia será Lúcia, a recepcionista: Lúcia, a moça pobre, que pega três conduções para chegar ao trabalho, que leva marmita de casa para economizar os vales-refeição, que foi admitida na empresa como faxineira e, por valor próprio, chegou onde está. Lúcia – ela mesma - é a razão de sua inquietude.
Nos últimos meses, Mário vem observando as olheiras profundas e o ar abatido da jovem. Por diversas vezes, lhe perguntou, com delicadeza, se ela estava passando por alguma dificuldade. Invariavelmente, sua resposta era:
- Nada não, dr. Barroso, é assunto de família.
No trabalho, Lúcia mantém-se eficiente. É atenciosa ao telefone, recebe os clientes com cortesia e passa todos os recados sem esquecer de nenhum detalhe. Mesmo assim, Mário não se sente confortável. Um dos lemas de sua administração à frente da empresa é exatamente o de que trabalhador competente é o que se sente satisfeito no ambiente de trabalho – daí o empenho em se mostrar solícito e disponível. Sente-se traído quando alguém do grupo tenta esconder algo que sua perspicácia já detectou.
- Será que Lúcia está grávida e tem vergonha de falar? – é o que lhe vem à cabeça.
Ontem chamou a auxiliar de serviços gerais, dona Severina, para conversar. Foi ela quem lhe apresentou Lúcia há dois anos.
- Dona Severina, se não me engano, quando Lúcia veio trabalhar conosco, a senhora me disse que ela era órfã de pai e mãe e não tinha nenhum outro parente. Isso é verdade?
- É, dr. Barroso, ela foi criada pela avó, que morreu há três anos.
- Ela tem namorado?
- Não senhor, é do trabalho para casa e da casa para a igreja. Nem amigos ela tem.
- Preste atenção, Severina, isto é muito sério. A senhora me garante que Lúcia não tem família, nenhum primo afastado, nada?
- Tenho certeza absoluta, dr. Barroso. Porque?
- Não posso lhe dizer agora, mas preciso ter uma conversa séria com essa menina amanhã de manhã.
Mário Barroso não admite mentiras. Ele se identifica integralmente com o personagem do livro “O Caçador de Pipas” que diz ao filho, no intuito de educá-lo, que “roubar é o único pecado que existe, e, quando uma pessoa mente, está roubando de alguém o direito de saber a verdade.” Ora, se Lúcia não tem família, nem namorado, porque o enganou, ao mencionar assuntos de uma família inexistente?
Mário não se conforma. Seu primeiro impulso é despedir a funcionária pecadora. Mas, durante a noite, com a cabeça fria, a dúvida se instala em seu coração. Afinal, ele não é um monstro e, para ser sincero, não existe nenhuma queixa profissional contra ela.
É com este confuso estado de espírito que abre a porta de vidro da corretora, às nove horas dessa manhã de inverno.
- Bom dia, dr. Barroso – apressa-se Lúcia, com o olhar melancólico.
- Venha à minha sala, por favor.
Lúcia treme. (O chefe não está com uma cara boa.)
O que acontece entre aquelas quatro paredes ninguém sabe. Não se ouve um suspiro do lado de fora. O clima, no escritório, fica pesado: tensão no ar. Uma hora depois, a moça sai com os olhos vermelhos – evidentemente, chorou. Retorna ao posto de trabalho. Funga um pouco de vez em quando, mas é visível que a alegria voltou ao seu semblante. Apesar da curiosidade, os colegas não se atrevem a fazer perguntas. E o expediente retoma o ritmo habitual. Durante o dia, sempre que Mário passa pela recepção, dá um aceno carinhoso para Lúcia e indaga:
- Tudo bem, minha filha?
Ela sorri em resposta.
Não me peçam para dizer o que houve lá dentro. Não sei. Eu não estava lá... Só sei que, nessa mesma noite, à mesa do jantar, Mário se dirige a Lidiane:
- Meu bem, você se importa que eu convide a Lúcia, nossa recepcionista, para passar o fim-de-semana conosco em Teresópolis? Ela é uma menina tão solitária, não tem família... Além do mais, você, Bete e Guto gostam tanto dela...
- É claro, querido. Faça isso. Engraçado, sempre penso na Lúcia quando recordo de nosso primeiro bebê, que perdemos. Eles teriam a mesma idade.
Mário abraça sua mulher com amor, e ficam assim abraçados durante alguns minutos. Uma lágrima de emoção rola pelo canto de seus olhos.

Março, 2008

2 comentários:

Beth/Lilás disse...

Oi, querida!
Mesmo aqui em Maringá não deixo de ver seus escritos e tenho que comentar sobre este conto, pois o Mário é o Wilmar. rsssss
Meu marido tem este mesmo comportamento justo para com aqueles que trabalham junto a ele.
O que podemos dizer é que tem um olhar maior para aqueles que chamamos de "trabalhadores invisíveis" para quase todo mundo.
E isso lembrou-me da nossa época na GE e do nosso querido servente Rivaldo. Lembra, né! Como a gente tinha carinho por aquele pobre homem.
Lindo tema, desenvolvido com a sensibilidade da pessoa bacana que você é.
Beijoquinhas.

Sylvia Regina Marin disse...

Oi, Beth
Como está o Daniel?
Lembro muito do Rivaldinho. Fiquei muito sentida quando ele morreu. Uma das filhas dele me telefonou, mas eu estava no auge da síndrome do pânico. Não deu para ir ao enterro, nem à missa que o pessoal da GE mandou rezar para ele.
Beijinhos carinhosos.]
Sylvia