domingo, 9 de março de 2008

FALSA LOURA

Acabei de ver o blog da Ana Beatriz, e fiquei toda prosa. As últimas matérias que ela escreveu tiveram o comentário de mais de 50 pessoas. Também o assunto era "quente": essa confusão que as autoridades espanholas estão arrumando com os viajantes brasileiros. A Espanha já foi o país número 1 em turismo na Europa. Agora, quem puder evitar, vai fazer um desvio de rota. Já tem gente armando um movimento para que os brasileiros tirem suas contas do banco Santander (quem tiver, é claro), deixe de usar a VIVO e a companhia aérea Ibéria. Nossa vingança será maligna.

Abaixo mais um texto de minha humilde autoria.

Janete estava desesperada. Andava de um lado para o outro na pequena sala de seu apartamento, com os olhos inchados de tanto chorar. Só não arrancava os cabelos porque, definitivamente, dava-lhe muito trabalho – e custava caro – manter seus cachos louros impecáveis, hidratados e brilhantes. Já tinha tirado o esmalte das unhas com os dentes, quebrado alguns bibelôs de cristal que estavam no console da entrada, rasgado as revistas preferidas de Daniel. Mas seu cabelo... não. Este sairia intacto do turbilhão de emoções que ela experimentava naquele momento. Afinal, ainda lhe restava um resquício de lucidez.
Segurava com ódio o relatório que detetive Rossi lhe havia entregado há uma hora atrás. Apesar das desconfianças, uma parte do seu coração torcia para que tudo não passasse de um sonho ruim, loucura de uma mente desvairada. Não era. As viagens repentinas de Daniel, seus escrúpulos em comentar sobre o trabalho que fazia, os sobressaltos quando o telefone celular tocava, suas súbitas dores de cabeça toda vez que Janete queria reunir os amigos – eram sinais inequívocos de que havia alguma coisa errada.
Dez anos de casados... Janete se perguntava como ela tinha agüentado tanto tempo... Que amor é esse que deixa turva a visão de uma pessoa e embota completamente seu raciocínio? Bem que a mãe a alertou, mas alerta de mãe só serve mesmo para botar lenha na fogueira. É fato comprovado.
Ela olhava a toda hora para o relógio na parede. Os minutos voavam e Janete não era capaz de decidir o que fazer. Juntava a roupa de Daniel, colocava em uma mala e entregava a ele quando chegasse? Ou pegava uma tesoura e cortava tudo em mil pedacinhos? Que tal uma armadilha – uma bomba caseira que explodisse assim que ele abrisse a porta? Veneno no seu cálice de San Raphael... Uhn... Não tinha pensado nisso antes... Não. Era perigoso demais. Ela podia acabar sendo presa. Era só o que faltava...
Na verdade, ela não queria que ele morresse; pelo menos, não desta forma, sem sofrimento, sem tortura. É... uma boa e bem planejada tortura seria a vingança ideal. Janete respirou fundo. Era necessário que estivesse de cabeça fria, calma. Lembrou-se das respirações compassadas que aprendera nas aulas de yoga e, lentamente, seu coração voltou a bater no ritmo normal. O cérebro, mais oxigenado, retomou a função que lhe cabia por direito, isto é, raciocinar. Arrumou a casa, jogou as revistas rasgadas na lixeira, catou os cacos de cristal, passou um removedor de esmalte nas unhas, tomou um longo e relaxante banho morno, perfumou-se e sentou-se no sofá, defronte à porta, preparada para jogar na cara de Daniel aquilo que ele julgava ser o maior martírio na vida de um homem. Esperou.
Já passava das oito horas da noite quando Janete ouviu o barulho da chave. Empertigou-se. Daniel se espantou ao encontrar a mulher assim tão... como direi?... pronta para dar um bote, talvez.
- Olá, querida! Está tudo bem? perguntou cauteloso.
E ela atacou:
- Meu amor, precisamos discutir nossa relação. Agora.
Ele começou a suar frio, a sentir coceiras pelo corpo, o coração a palpitar...
- Benzinho, pode ser depois do jantar? Vou tomar um banho...
- AGORA!
- Mas, queridinha...
- AGORA, meu caro! Sente aí! Não temos jantar hoje. Estou muito traumatizada porque sinto que você não gosta da comida que faço com tanto carinho.
- Gosto sim, amorzinho. É que, às vezes, fica um pouquinho salgada, mas não tem importância.
- Tem sim, Dandan, eu me esforço tanto e você nunca elogia, ainda faz comentários sobre o delicioso bolo de batata de sua mãe. E não é só isso. Quero conhecer seus colegas de trabalho e você não me apresenta a ninguém. Tem vergonha de mim? Eu sou feia? Gorda demais? Sou brega? Falo besteira?
- Mas que idéia, não é nada disso. Puxa, Janjan, estou passando mal. Vamos continuar esse papo amanhã?
- NÃO! AGORA! Quero saber porque você não quer mais transar comigo todos os dias, como a gente fazia quando se casou. Deixei de ser apetitosa para o seu gosto? A rotina entedia o rapaz? Ou você tem outra mulher, mais nova, mais magra, mais à toa? Responde, seu falso!
- Falso? Eu? Por favor, não agüento mais... Isso é uma tortura!
- Falso, sim, verme. Descobri tudo. Seu nome é falso, seu trabalho é falso, você tem outra família e até filhos. Você tem me usado esses anos todos como disfarce para suas transações ilícitas. Seu amor por mim era falso, como é que pode? Até o bolo de batata da sua mãe era falso... Isso eu não perdôo! Está vendo este relatório? Uma cópia já foi entregue à polícia hoje de manhã. Você está perdido. Já era.
De pálido, Daniel foi ficando vermelho. Por essa ele não esperava. Tinha armado tudo tão direitinho... Que raiva! Sua vontade, naquele momento, era atingir Janete em seu ponto fraco – dizer para todo mundo que ela, sim, era falsa - uma loura falsa.
Não teve coragem.

3 comentários:

Beth/Lilás disse...

Ih, vou lá espiar a Aninha também!

Ah, gostei desse, principalmente com o personagem de nome Dandan, igualzinho ao meu apelido pro meu filhote!

Final trágico prá ela se soubesse o que ele pensou, né?!

bjks

Unknown disse...

Contribuindo para que você alcance também os 50 comentários. :)

Que ótimo que resolveu colocar sua arte num blogue. Outros precisam ler seus textos.

Beijinhos carinhosos
Elida Kronig

Sylvia Regina Marin disse...

Ih!Que bom! Já tenho 2 comentários!
Dificilmente baterei o recorde da minha filha, mas não tem importância. Afinal, ela já é jornalista há 12 anos, e eu sou simplesmente uma recém-escritora.
Beijos.
Sylvia