sexta-feira, 4 de abril de 2008

O tema desta semana da "Esquina Literária" é, vejam só, "Encontros Possíveis". A Lice lançou o tema sem lembrar que era o nome deste blog. Depois, ficou contente com a descoberta e disse que seria uma homenagem a mim, que sou a caçulinha do grupo. Ela é uma fofa. O "caçulinha" é por conta de eu ter sido a última a ingressar no grupo, e não pelos meus 15 (x4) anos de praia.
Lá vai:

ENCONTROS POSSÍVEIS

Sylvia Regina Marin

Marília está só. Literalmente. Os filhos debandaram como andorinhas em revoada - seguiram os caminhos do destino. O marido... já o perdeu faz tempo, enredado pelas tentações fugazes a que a fraqueza humana se expõe. Amigos fiéis? Sim, alguns: Laura, Regina, Pedro, Augusto... Comunicam-se pela Internet. Laura se apaixonou por um holandês e foi morar em Amsterdã. Regina vive ocupada com os quatro netos e, quando lhe sobra um tempinho, só quer saber de dormir. Pedro se casou, no mês passado, com a melhor amiga da filha caçula – anda, portanto, ocupadíssimo. Augusto recebeu uma boa proposta de trabalho e foi morar em São Paulo.
Só. Inteiramente. A companhia de bichos não a seduz. Descarta, portanto, a sugestão da vizinha do apartamento em frente, que insiste para que ela adote um cãozinho, ou mesmo um gato - um porquinho da Índia, quem sabe? Este não é seu esporte favorito. A única vez na vida em que cedeu aos apelos do filho mais velho, e comprou um aquário com peixes, foi um fiasco. Esquecia de colocar comida, de trocar a água e limpar o aquário, enfim... Os animais acabaram morrendo. Eles morreriam um dia, de qualquer jeito, mas não precisava ser por descuido seu, nem antes da hora, não é? Marília ficou três dias de cama naquela época – remorso e depressão.
Só. Irremediavelmente. Teve sua cota de ligações amorosas: algumas intensas, outras escorregadias, amigos que se tornaram namorados, amores de verão, amantes “iô-iô” – é, do tipo que vai e vem – amizades coloridas... Pode-se dizer que foi eclética. As melhores lembranças ficam por conta dos que a fizeram rir muito – qualidade rara hoje em dia. Ah! e de dois homens especiais que, em períodos distintos, que fique claro, foram seus mestres na arte da carícia, do gozo, do prazer incondicional. Pensando bem, não tem do que se queixar. Quantas mulheres ela conhece que podem dizer o mesmo? Mas eles se foram. Por um motivo ou outro, partiram.
Só. Desesperadamente. A turma da faculdade se dispersou. Os colegas de trabalho só falam de futebol, Big Brother, novela e o pagode do fim-de-semana. Por mais que tente, ela não se enquadra. A empregada, que trabalha em sua casa há mais de vinte anos, tem sempre histórias fantásticas sobre roubos, estupros e mortes, que ela não quer ouvir, não quer saber, mas não sabe como evitar. Tudo acontece naquele fim de mundo onde a pobre Isaura se consome de tanto sofrer. Às vezes tem vontade de se sentar à mesa da copa e conversar com Isaura sobre coisas comuns, do dia-a-dia. Mas a conversa é sempre adiada para um momento melhor, em que as duas mulheres estejam mais leves e disponíveis. E esse momento nunca chega.
Só. Ironicamente. Lembra do tempo em que era a aluna mais popular do segundo grau. Não havia festa para a qual não fosse convidada. Era líder de todos os movimentos estudantis e musa dos arroubos literários dos fãs mais exaltados. Que fim levou essa gente? Como se deu a ruptura? Ela nem percebeu... Pede uma escada a Isaura. Abre a porta mais alta do armário de seu escritório e de lá retira uma caixa repleta de fotos e bilhetes. Sorri. Relembra. Emociona-se. Chora. Tem consciência de que é responsável por suas escolhas.
Viveu o que decidiu viver. Teve os encontros que atraiu. Se está só nesse momento, é dentro de si mesma que deve procurar a razão.
Reage. Enxuga as lágrimas e promete a si mesma que vai tentar juntar seus pedaços. Reunir a turma será o primeiro passo. Vai ser difícil achar todo mundo – talvez pelo Orkut. Ela sabe que, mesmo entre aqueles que forem localizados, muitos não se farão disponíveis. Não importa. O que vale agora é que existe esperança.
Marília continua só. Mas, de repente, está aberta para a vida. Novamente assume as rédeas do seu destino e programa os encontros que terá pela frente. Serão prazerosos? Frutíferos? Ela não sabe. Sua única certeza é a de que eles serão os encontros possíveis.

Abril, 2008

5 comentários:

Anônimo disse...

Sylvia.Com a mais absoluta sinceridade digo: Gostei muito mesmo de ENCONTROS POSSÍVEIS. A linguagem é boa, prende o leitor, e traz uma mensagem excelente.. um beijo carinhoso/ rosa ( rosangela, rs)

Beth/Lilás disse...

Oi, Sylvinha!
Endosso o que a Rosa Pena disse e digo mais, o texto é bom porque fala de uma realidade muito atual em que quase todos nós estamos inseridos.
Manda mais, garota!
Beijos.

Sylvia Regina Marin disse...

Oi Rosa e Beth,
Obrigada pela constante visita e pelo carinho. Vocês é que são demais!
Super beijos.
Sylvia

Unknown disse...

Sylvia,
Muito bom. Melancólico intencional
mente, verdadeiro e profundo,
apesar da leveza do texto.
Desnecessário dizer que você já
é uma CONTISTA prontinha.
Espero que muitos leitores tenham
a sorte de ter com você
ENCONTROS POSSÍVEIS.
Beijos,Leila.
.

Sylvia Regina Marin disse...

Querida Leila,
O retorno que recebo é muito importante, até para eu me situar.
Obrigada pelo incentivo.
Super beijos.
Sylvia